A REAFIRMAÇÃO DA DER: VARIAÇÕES SOBRE O MESMO TEMA ...A JURISPRUDÊNCIA E SEUS DILEMAS!

 

Em sede de embargos, o STJ reafirmou a possibilidade de “reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias”. Ainda, a reafirmação da DER poderá ocorrer no curso do processo, “ainda que não haja prévio pedido expresso na petição inicial.” E contra a nossa negatividade: “existindo pertinência temática com a causa de pedir, o juiz poderá reconhecer de ofício outro benefício previdenciário daquele requerido, bem como poderá determinar seja reafirmada a DER”.

No entanto, a decisão deixou ressaibo de dúvida sobre o termo inicial dos efeitos financeiros. Admite-se haver parcelas vencidas no caso de o reconhecimento ocorrer no curso da ação, ou seja, depois da Data de Ajuizamento da Ação, como quem quer destacar que os efeitos financeiros não devem coincidir com o implemento dos requisitos ensejadores do benefício, caso ele ocorra entre a DER e a Data de Ajuizamento da Ação. Na decisão assim restou expresso: “No caso de reafirmação da DER, conforme delimitado no acórdão embargado, o direito é reconhecido no curso do processo, não havendo que se falar em parcelas vencidas anteriormente ao ajuizamento da ação”.

A reafirmação da DER, ainda que do ponto de vista da tese do fato superveniente, não traduz nenhuma ruptura com aquilo que já tínhamos consolidado na jurisprudência: “[...] os efeitos financeiros da revisão da aposentadoria por tempo de contribuição retroagissem à data de início do benefício, que, no caso, é a data da entrada do requerimento, conforme pleiteado pelo recorrente, ora agravado.” (AgInt no REsp 1776818/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/05/2019, DJe 14/05/2019).

O direito adquirido não está condicionado ao momento de sua comprovação ou decisão que reconhece o direito de reafirmação de DER, tampouco seus efeitos financeiros, que devem retroagir à data do requerimento administrativo e/ou do preenchimento dos requisitos ensejadores do benefício, conforme art. art. 49,  inciso II, combinado com o art. 54 e 57, § 2º, da Lei nº 8.213/1991.[1]

Este é o entendimento do próprio STJ, como fica claro na Pet. 9.582/STJ:

PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. APOSENTADORIA ESPECIAL. TERMO INICIAL: DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO, QUANDO JÁ PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA PROVIDO. 1. O art. 57, § 2o., da Lei 8.213/91 confere à aposentadoria especial o mesmo tratamento dado para a fixação do termo inicial da aposentadoria por idade, qual seja, a data de entrada do requerimento administrativo para todos os segurados, exceto o empregado. 2. A comprovação extemporânea da situação jurídica consolidada em momento anterior não tem o condão de afastar o direito adquirido do segurado, impondo-se o reconhecimento do direito ao benefício previdenciário no momento do requerimento administrativo, quando preenchidos os requisitos para a concessão da aposentadoria. 3. In casu, merece reparos o acórdão recorrido que, a despeito de reconhecer que o segurado já havia implementado os requisitos para a concessão de aposentadoria especial na data do requerimento administrativo, determinou a data inicial do benefício em momento posterior, quando foram apresentados em juízo os documentos comprobatórios do tempo laborado em condições especiais. 4. Incidente de uniformização provido para fazer prevalecer a orientação ora firmada. (Pet 9.582/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 16/09/2015)

Já à luz do Tema 995, o Des. Osni Cardoso Filho considerou impensável a interpretação do INSS, no sentido de não ser viável o pagamento de atrasados naqueles casos em que reafirmada a DER para um momento anterior ao do ajuizamento da ação previdenciária. A didática da exposição e a fundamentalidade do tema justificam a longa transcrição do trecho da fundamentação:

A regra geral para a data de início dos benefícios de aposentadoria é a data da entrada do requerimento (DER), segundo dispõem o artigo 49, inciso II (aposentadoria por idade); o art. 54 (aposentadoria por tempo de serviço) e o art. 57, §2º (aposentadoria especial), da Lei nº 8.213.

No caso em que houver reafirmação da data de entrada do requerimento, o benefício será devido a partir da data para a qual se deslocar o preenchimento simultâneo de todos os requisitos necessários para o direito do segurado, tendo como limite temporal o momento do julgamento de eventuais embargos de declaração opostos de acórdão que aprecia recurso de apelação. 

A decisão que conhece o fato superveniente, relativo ao tempo de contribuição posterior à data do requerimento administrativo, somente declara a existência do direito que estava aperfeiçoado e incorporado ao patrimônio jurídico da parte autora. Por isso mesmo, a data reafirmada de início do benefício, que também demarca o início da obrigação de pagar as prestações, corresponde ao momento em que os requisitos legais para a concessão do benefício foram cumpridos. 

A condenação do INSS a cumprir a obrigação de pagar quantia tem por termo inicial, assim, a data do requerimento administrativo reafirmada, o que encontra coerência à própria conduta da administração previdenciária quando, ao verificar que o requerente, em processo administrativo, preenche as condições legais após o pedido, considera a nova DER para fixar a data de início do benefício e os respectivos  efeitos financeiros. Esse procedimento já está consagrado nas disposições normativas internas da autarquia e foi repetido nos artigos 687 e 690 da Instrução Normativa INSS/PRES 77, de 21 de janeiro de 2015.

A interpretação do Instituto Nacional do Seguro Social, a partir do julgamento dos embargos de declaração opostos da decisão que firmou o Tema 995 no Superior Tribunal de Justiça, de que não há valores em atraso a serem pagos, anteriores à implantação do benefício, é totalmente equivocada do sentido normal que se deve emprestar ao voto do eminente relator, Ministro Mauro Campbell Marques (REsp 1.727.063 – SP). 

O que é bem mais razoável compreender da decisão mencionada, reitera-se, neste ponto particular sem a imposição de natureza vinculante aos demais graus de jurisdição, é que a decisão que reafirma a data de início do benefício não proporciona condenação ao pagamento de parcelas em atraso anteriores à data da reafirmaçãoEm outras palavras, não podem ser pagas as parcelas entre a data da entrada do requerimento administrativo (quando não havia direito ao benefício) e a data em que o requerimento administrativo é reafirmado (quando há direito ao benefício). 

A decisão judicial que não tivesse por termo inicial da obrigação de pagar quantia certa a data de entrada do requerimento reafirmada se tornaria  tão gravosa quanto aquela que não conhecesse o fato superveniente e rejeitasse o pedido do segurado. Em ambas as situações, seria muito mais vantajoso ao segurado protocolizar novo requerimento administrativo e, diante de eventual outro indeferimento, ajuizar mais uma ação contra o mesmo réu. 

O resultado dessa inexata conclusão representaria, por consequência, o desapreço aos princípios da economia e da celeridade processual, os quais, a propósito, fundaram a tese firmada no Tema nº 995 do Superior Tribunal de Justiça. 

Por fim, o entendimento de que não é razoável condenar o INSS ao pagamento de parcelas anteriores à decisão que reafirma a DER não mantém correspondência a toda e qualquer orientação que se deva adotar, quando se tem em conta o reconhecimento de direitos fundamentais à proteção social e à prestação jurisdicional efetiva. Sobre esse ponto, é pertinente referir parte do voto proferido pelo Ministro Mauro Campbell Marques, relator dos recursos representativos de controvérsia do Tema nº 995:

O direito à previdência social consubstancia autêntico direito humano e fundamental, pois a prestação previdenciária corresponde a recursos sociais indispensáveis à subsistência da pessoa humana, colaborando para sua existência digna. A reafirmação da DER se mostra compatível com a exigência da máxima proteção dos direitos fundamentais, com a efetiva tutela de direito fundamental. Não se deve postergar a análise do fato superveniente para novo processo, porque a Autarquia previdenciária já tem conhecimento do fato, mercê de ser a guardiã dos dados cadastrados de seus segurados, referentes aos registros de trabalho, recolhimentos de contribuições previdenciárias, ocorrências de acidentes de trabalho, registros de empresas que desempenham atividades laborais de risco ou ameaçadoras à saúde e à higiene no trabalho.

Há que se considerar, igualmente, que essa questão sequer fez parte da tese representativa da controvérsia. Nesse sentido a fundamentação utilizada pelo eminente Des. João Batista Pinto Silveira:

Apesar da afirmação do relator de que no caso da reafirmação da DER não há que se falar em parcelas vencidas anteriormente ao ajuizamento da ação, é preciso esclarecer que o precedente em análise tratava apenas da possibilidade de reafirmação da DER para momento posterior à data do ajuizamento, não abrangendo o universo de casos em que a DER é reafirmada para essa data, ou para momento anterior a ela, quando o segurado, embora ainda não cumprisse os requisitos necessários à concessão da aposentadoria na DER, já os havia implementado até a propositura da demanda.[2]

O Tribunal Federal Regional da 4ª Região assumiu a orientação de adotar como marco inicial a data do implemento dos requisitos, quando ainda pendente o processo administrativo, ou a data do ajuizamento, observando-se o princípio de que quando implementa os requisitos é o segurado quem decide o momento de seu jubilamento. Assim, inclusive, é o posicionamento da Terceira Seção (AR n. 2009.04.00.034924-3, Rel. Des. Federal Celso Kipper, julgada em 06-09-2012). Existe uma (quase) punição para o segurado que demorar para ajuizar a ação previdenciária após o término do processo administrativo, ou seja, se não preenchidos os requisitos ensejadores do benefício na pendência do processo administrativo, o termo inicial do benefício será fixado somente a partir da Data de Ajuizamento da Ação, logo, quanto mais tempo o segurado demorar para ajuizar a ação previdenciária, maior o risco de perder atrasados.

Deve ter ficado claro: há duas situações distintas aqui. A primeira diz respeito à decisão do STJ (Tema 995), que deixa dúvidas sobre a possibilidade de se fixar o termo inicial do benefício entre a DER e a DAA. A segunda, a decisão do TRF4, que faz distinção entre o implemento dos requisitos ensejadores do benefício, antes e depois do término do processo administrativo.   O que as duas possuem em comum, em ambas se trabalha com a reafirmação de DER para uma data anterior à Data de Ajuizamento da Ação.

Neste nível, seria no mínimo contraditório admitir a possibilidade de o início da aposentação coincidir com o preenchimento dos requisitos no curso da ação, e não entre a DER e a Data do Ajuizamento da Ação, independentemente se pendente (ou não) processo administrativo. Ressalta-se que basta o indeferimento ou, até mesmo, a demora injustificada para ultimação do ato, para que o segurado possa buscar a via judicial, por conta da configuração de pretensão resistida. Uma vez percorrida a via administrativa, atendidos os requisitos do tema 350/STF, há que se entender que está tudo “sub judice”. Tanto é assim que, em sede de embargos, a Corte Especial reiterou que a reafirmação da DER poderá ocorrer “ainda que não haja prévio pedido expresso na petição inicial.” Da mesma forma, não se exige que, entre o término do processo administrativo e a Data de Ajuizamento da Ação, o autor atravesse novo requerimento de aposentadoria.

A situação atrai a incidência do princípio da primazia do acerto judicial da relação jurídica de proteção. Nesse sentido: A resposta do princípio da primazia do acertamento à questão proposta não será outra, portanto, que não a outorga da proteção judicial na medida em que o segurado faz jus, isto é, a concessão da aposentadoria pretendida com efeitos financeiros desde a formalização do requerimento administrativo.[3]

Segundo José Antonio Savaris, a tutela dos direitos fundamentais exige mais da função jurisdicional do que o exame de submissão do ato administrativo à legalidade: “O que importa é a definição de relação jurídica de proteção social e, a partir dela, entregar à parte o bem da vida nos precisos termos a que faz jus. Saber se a parte tem o direito e desde quanto tem o direito é o alvo principal da função jurisdicional.”

Fixar o termo inicial do benefício na data do ajuizamento da ação é completamente aleatório. Há apenas dois momentos possíveis para se fixar o termo inicial do benefício, para efeitos financeiros, a data de entrada do requerimento administrativo (DER) ou a data em que preenchidos os requisitos ensejadores do benefício postulado.

A propósito, no julgamento do tema 709, o Supremo Tribunal Federal reiterou que:

A Lei nº 8.213/91, em seu art. 57, § 2º, cuidou de disciplinar o tema da data de início da aposentadoria especial, fazendo uma remissão ao art. 49 daquele mesmo diploma legislativo. Eis que, desse modo, a legislação de regência já cuidou de regular o assunto, estabelecendo que o benefício será devido (i) da data do desligamento do emprego, quando requerido até essa data, ou até noventa dias depois dela (inciso I, alínea a); (ii) da data do requerimento, quando não houver desligamento do emprego ou quando o benefício for requerido após o prazo previsto na alínea a (inciso I, alínea b). Conforme se nota, inexiste, no referente ao assunto, vácuo legislativo, de modo que afastar a previsão do art. 57, § 2º, da Lei de Planos de Benefícios da Previdência Social para fazer valer, em detrimento dessa norma, o art. 57, § 8º - quando esse nem sequer foi editado com vistas a regular a questão da data de início dos benefícios - significaria evidente violência às prerrogativas do Poder Legislativo.

Dito de outra forma, caso acolhido o pedido da autarquia nesse ponto, o Supremo Tribunal Federal estaria claramente a legislar, o que lhe é terminantemente vedado. O legislador, no exercício de suas atribuições constitucionalmente conferidas, houve por bem fixar uma determinada disciplina para a data de início do benefício – essa disciplina encontra-se no art. 57, § 2º, da Lei nº 8.213/91. A referida norma encontra-se em harmonia com o ordenamento jurídico e, até o momento, não teve sua constitucionalidade questionada. Não há razão, portanto, para se negar aplicação a ela.

Não existe, portanto, “vácuo legislativo” a permitir que se fixe em outro o momento do início do benefício e seus efeitos financeiros do benefício. A única possibilidade – inscrita em norma jurídica válida – para a subtração de valores reconhecidamente devidos ao segurado da Previdência Social é a que decorre de prescrição incidente sobre as parcelas vencidas há mais de cinco anos do ajuizamento da ação (Lei 8.213/91, art. 103, parágrafo único).

Quando a reafirmação de DER ocorrer para antes do ajuizamento da ação não é possível a subtração desses valores – devemos lembrar do caráter alimentar do benefício e, por isso, da decisão do STF no julgamento dos embargos de declaração opostos no processo da “desaposentação” (tema 503). Como é possível não reconhecer o direito desde a data de implementação dos requisitos, tampouco pagar as respectivas parcelas vencidas (dentro do prazo prescricional)?

É necessário conferir ao sistema jurídico integridade (compatibilidade com os diversos enunciados) e coerência (julgar casos iguais mediante semelhante raciocínio), conforme estabelece o art. 926 do CPC. Assim, há que se reafirmar a jurisprudência da Corte Especial. Vejam-se mais três, entre muitos, precedentes que dispensam efeito financeiros retroativos à data do requerimento, até mesmo no caso de revisão de benefício:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. TERMO INICIAL. DATA DO PRIMEIRO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Os efeitos financeiros do deferimento da aposentadoria devem retroagir à data do primeiro requerimento administrativo, independentemente da adequada instrução do pedido. (AgRg no REsp 1103312/CE, Rel. Min. NEFI CORDEIRO, j. 27/05/2014, DJe 16/06/2014)

 

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INCIDÊNCIA DO ART. 103 DA LEI 8.213/1991. DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA. CONVERSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO EM APOSENTADORIA ESPECIAL. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. TERMO INICIAL DOS EFEITOS FINANCEIROS. RETROAÇÃO À DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. 1. Cinge-se a controvérsia à decadência do direito de revisão do ato de concessão de aposentadoria pelo segurado. 2. Segundo dispõe o art. 103, caput, da Lei 8.213/1991: "É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo". 3. No caso dos autos, o benefício da aposentadoria por tempo de contribuição foi concedido em agosto de 2009, e a ação de revisão do ato de concessão foi ajuizada somente em 2016, não havendo que se falar em reconhecimento da decadência do direito de ação. 4. O aresto hostilizado encontra-se em consonância com a compreensão do STJ, razão pela qual não merece reforma. 5. Quanto ao termo inicial do benefício, o STJ orienta-se no sentido de que, caso o segurado tenha implementado os requisitos legais para a obtenção de benefício previdenciário na data em que formulou requerimento administrativo, deve ser esse o termo inicial para o benefício previdenciário, independentemente de a comprovação ter ocorrido apenas em momento posterior, ou mesmo na seara judicial. 6. Recurso Especial não provido. (REsp 1833548/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/10/2019, DJe 11/10/2019) grifei

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. A COMPROVAÇÃO EXTEMPORÂNEA DE REQUISITO PARA OBTENÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO NÃO RETIRA O DIREITO AO BENEFÍCIO, QUE SE INCORPORA AO PATRIMÔNIO JURÍDICO DO SEGURADO NO MOMENTO DO IMPLEMENTO DOS REQUISITOS. TERMO INICIAL DOS EFEITOS FINANCEIROS DA REVISÃO: DATA DA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO ORIGINÁRIO. ENTENDIMENTO JÁ FIRMADO PELA SEGUNDA TURMA DESTA CORTE E PELA TNU (TEMA 102). RECURSO ESPECIAL DA SEGURADA PROVIDO. 1. É firme a orientação desta Corte de que a comprovação extemporânea de situação jurídica consolidada em momento anterior não tem o condão de afastar o direito adquirido do Segurado, impondo-se o reconhecimento do direito ao benefício previdenciário no momento do preenchimentos dos requisitos para a sua concessão. 2. Não é possível condicionar o nascimento de um direito, com seus efeitos reflexos, ao momento em que se tem comprovados os fatos que o constituem, uma vez que o direito previdenciário já está incorporado ao patrimônio e à personalidade jurídica do Segurado desde o momento em que o labor foi exercido. 3. Impõe-se, assim, reconhecer que o termo inicial dos efeitos financeiros da revisão de benefício previdenciário deve retroagir à data da concessão do benefício originário, uma vez que o deferimento da ação revisional representa, tão somente, o reconhecimento tardio de um direito já incorporado ao patrimônio jurídico do Segurado. 4. Tal entendimento reflete a jurisprudência firmada pela Segunda Turma desta Corte e pela TNU no julgamento do Tema 102. Precedentes: AgInt no REsp. 1.609.332/SP, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 26.3.2019, REsp. 1.732.289/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 21.11.2018, PEDILEF 2009.72.55.008009-9/ SC, Rel. Juiz Federal HERCULANO MARTINS NACIF, DJe 23.4.2013. 5. Recurso Especial da Segurada provido. (REsp 1745509/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/06/2019, DJe 14/06/2019)

A data a ser considerada como início do benefício e de pagamento das prestações vencidas é aquela em que os requisitos legais foram preenchidos.

Ainda, a reafirmação de DER tem motivado o afastamento dos juros de mora e honorários sucumbenciais, com fundamento no tema 995/STJ, como se o INSS não tivesse dado causa ao ajuizamento da ação e, com muito maior razão, à própria reafirmação de DER.

Tal entendimento representa um ataque contra o princípio da causalidade, o conceito de causa e efeito. Quando as consequências de uma ação já não são vistas como uma forma de acertamento, em razão da atuação descomprometida do INSS, mas um favor da Autarquia. Mesmo após defender uma orientação institucional abusiva e protelatória desde a via administrativa e/ou citação no processo, o INSS agora só precisa “concordar” com a reafirmação de DER, para se afastar honorários sucumbenciais.

No que tange ao princípio da causalidade:

Não merece trânsito a pretensão do INSS de afastamento de sua condenação ao pagamento da verba honorária, sob o fundamento de que, havendo reafirmação da DER, com a consideração de fato superveniente para o reconhecimento do direito invocado, estaria afastada a relação de causa entre o indeferimento administrativo e o ajuizamento da demanda.

Importa referir que essa alegação somente teria cabimento se o único objeto da demanda fosse o pleito de reafirmação da DER, e não é essa a hipótese dos presentes autos. No caso, há pedido de reconhecimento e cômputo de tempo de contribuição, em relação ao qual o INSS se insurgiu, sendo inegável o atendimento ao princípio da causalidade, posto que o indeferimento desse pedido deu causa à demanda, devendo, portanto, ser fixados honorários de sucumbência.

O Código de Processo Civil estabelece que a base de cálculo para a fixação dos honorários advocatícios é o valor da condenação, o qual é verificado ao final da ação. O fato de haver reafirmação da DER, por si só, já implica reflexos no cálculo da verba honorária, cuja base de cálculo será o valor das parcelas devidas desde a data da DER reafirmada, sem atrasados anteriores a esse marco.

É necessário lembrar que os honorários sucumbenciais têm caráter alimentar: 

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

[...]

§ 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.

No julgamento do tema 995, existe um único parágrafo sobre a questão dos honorários sucumbenciais:

No caso, haverá sucumbência se o INSS opuser-se ao pedido de reconhecimento de fato novo, hipótese em que os honorários de advogado terão como base de cálculo o valor da condenação, a ser apurada na fase de liquidação, computando-se o benefício previdenciário a partir da data fixada na decisão que entregou a prestação jurisdicional.

Sendo assim, é necessário definir o que é vinculante dentro do precedente – o que não é tarefa fácil. Segundo a doutrina de Lenio Luiz Streck e Georges Abboud[4]:

A doutrina dos precedentes são similares o suficiente para confrontarem o caso a ser decidido às considerações de mérito da cadeia de precedentes; a identificação e articulação dos elementos contidos nos precedentes, a fim de identificar qual a premissa/regra jurídica contida nos casos anteriores (ratio decidendi) que pode ser utilizada para solucionar o caso e o exame das circunstâncias particulares que uma vez presentes permitem que o juiz se afaste da aplicação do precedente vinculantes por meio da utilização do distinguishing (v. item 2.5). [...] Não há um exame estanque desses aspectos, como se fossem ‘etapas’ ou ‘fatias’ argumentativas. Houve, desde sempre, uma contaminação hermenêutica, que atravessa esses elementos, do todo para a parte e da parte para o todo.

Diferentemente da questão envolvendo o termo inicial dos efeitos financeiros, para qual a qual o STJ já tinha sinalização positiva,[5] as afirmações sobre os honorários sucumbenciais não encontram ressonância na jurisprudência do STJ. A nova orientação, portanto, não encontra fundamento numa cadeia de julgamentos anteriores, tampouco na opinião da doutrina. Por outras palavras, não se consegue extrair um princípio (subjacente) capaz de ser aplicado a casos seguintes. O Superior Tribunal de Justiça estabeleceu um grau zero de sentido sobre a questão, logo, a decisão não vincula os tribunais no ponto.[6]

No que tange aos juros de mora, sendo devido o benefício após a data da citação, os juros de mora devem coincidir com a data do preenchimento dos requisitos ensejadores do benefício. Novamente, está-se negando que o INSS deu causa à propositura da ação. Imaginemos uma ação ajuizada em 2010 e julgada em 2020, mesmo sendo o benefício devido desde 2012, mediante reafirmação de DER, os juros moratórios só deverão incidir no caso de o INSS deixar de efetivamente implantar o benefício no prazo de até 45 dias.

É de se ver que a questão dos juros de mora não fez parte da tese representativa de controvérsia (tema 995), bem assim não foi fruto de um intenso contraditório. Na medida em que tal questão não foi submetida, de forma integral, à consideração do STJ, não pode ela vincular decisões futuras, devendo prevalecer a orientação construída pela jurisprudência previdenciária, com especial atenção para o INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA: TRF4 5007975-25.2013.4.04.7003, QUINTA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 18/04/2017.

 

Escrito por Diego Henrique Schuster



[1] Nesse sentido: O termo inicial do benefício e seus efeitos financeiros devem retroagir à data de entrada do requerimento administrativo se ficar comprovado que nessa data o segurado já implementara as condições necessárias à obtenção do benefício de aposentadoria especial (art. 57, § 2º, c/c o art. 49, II, ambos da Lei nº 8.213/91). (TRF4, AC 5085042-61.2016.4.04.7100, QUINTA TURMA, Relator ALCIDES VETTORAZZI, juntado aos autos em 14/03/2019) A data de início dos efeitos financeiros da concessão da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição é a da entrada do requerimento administrativo do benefício (art. 54 c/c art. 49, II, da Lei n° 8.213/91). (TRF4, AC 0023853-11.2013.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, D.E. 03/10/2014). Aliás, no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região foi editada a Súmula 107: “O reconhecimento de verbas remuneratórias em reclamatória trabalhista autoriza o segurado a postular a revisão da renda mensal inicial, ainda que o INSS não tenha integrado a lide, devendo retroagir o termo inicial dos efeitos financeiros da revisão à data da concessão do benefício.”

[2] TRF4, AC 5060620-22.2016.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 20/10/2020.

[3] SAVARIS, Jose Antonio. Princípio da primazia do acertamento judicial da relação jurídica de proteção social. Disponível em: www.univali.br/periodicos. Acesso em 02 out. 2020.

[4] STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente e as súmulas vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 108.

[5] REsp 1640310/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/03/2017, DJe 27/04/2017; REsp 1183061/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 30/08/2013; REsp 911.932/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/03/2013, DJe 25/03/2013; REsp 1147200/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe 23/11/2012; para citar apenas estes.

[6] Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. TEMA 995 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REAFIRMAÇÃO DA DER. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. As questões relacionadas ao termo inicial do benefício, ao termo inicial dos juros de mora e à condenação em honorários advocatícios, na hipótese de reafirmação da data de entrada do requerimento (DER), não integram a questão de direito submetida a julgamento no Tema 995 do Superior Tribunal de Justiça, portanto, não possuem o efeito vinculante da norma jurídica geral do precedente. 2. Remetem-se os efeitos da condenação em favor do segurado à data em que se aperfeiçoaram os requisitos para a concessão do benefício, ainda que a comprovação do direito tenha ocorrido após o ajuizamento da ação.  3. No julgamento do Incidente de Assunção de Competência n. 5007975-25.2013.4.04.7003/PR, a 3ª Seção, por unanimidade, arbitrou o dies a quo para o cômputo dos juros de mora em ações previdenciárias que reconhecem o direito à reafirmação da DER, como sendo a data em que o requerimento administrativo é reafirmado.  4. Caracterizando-se a sucumbência majoritária do INSS, em razão do acolhimento de outros pedidos na ação, a ausência de oposição ao pedido de reafirmação da DER não afasta a sua condenação em honorários advocatícios. (TRF4 5001372-04.2016.4.04.7108, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 20/11/2020)


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A EQUIVOCADA APLICAÇÃO DO TEMA 629/STJ: ESTAMOS INVERTENDO AS COISAS