O VALOR NÃO RECEBIDO EM VIDA PELO SEGURADO SERÁ (SEMPRE) PAGO AOS DEPENDENTES HABILITADOS?
Se tem uma coisa
que aprendemos – a duras penas – é que no Direito nunca é “sempre”. No artigo
“O fim do foro privilegiado: para todos?”, o professor Lenio Streck utilizou o
seguinte exemplo:
"O que é
‘verdade’? Numa conferência em São Paulo, o jovem professor disse: ‘É
verdadeiro dizer que a água ferve a 100°C’. Um velho professor gritou, da
plateia: ‘Então prove’. E ofereceu um fogareiro, uma chaleira e um termômetro.
Ao atingir 98°C, a água ferveu. Ora, a água ferve a 100°C ao nível do mar e
depende da pureza. São Paulo está a 800 metros acima do nível do mar. Logo, não
era verdadeiro o que dissera o jovem professor."
O artigo 112 da Lei
8.213/1991 dispõe que o valor não recebido em vida pelo segurado só será pago
aos seus dependentes habilitados à pensão por morte ou, na falta deles, aos
seus sucessores na forma da lei civil, independentemente de inventário ou
arrolamento.
A Lei 6.858/1980,
no seu art. 1º, reproduz a mesma ideia: “Os valores devidos pelos empregadores
aos empregados e os montantes das contas individuais do Fundo de Garantia do
Tempo do Serviço e do Fundo de Participação PIS-PASEP, não recebidos em vida
pelos respectivos titulares, serão pagos, em cotas iguais, aos dependentes
habilitados perante a Previdência Social ou na forma da Legislação
especificados Servidores Civis e Militares e, na sua falta, aos sucessores
previstos na lei civil, indicados em alvará judicial, independentemente de
inventário e arrolamento.”
Essa é a regra
geral, uma solução prática para o problema. Agora, pensemos na seguinte
situação: As parcelas atrasadas do benefício previdenciário correspondem ao
período de 11/1998 a 05/2008. O segurado veio à óbito em 11/2012. À época do
óbito, ele tinha uma companheira, razão pela qual a ela foi concedida uma
pensão por morte. Uma interpretação literal do art. 122 da Lei 8.213/1991
sugere que os atrasados foram pagos à companheira – habilitada à pensão por
morte.
Ocorre que o termo
inicial da união se deu em 04/2008, sendo que até ali os filhos do “de cujus”
mantinham a qualidade de dependentes, porquanto menores de 21 anos. Isso
demandou uma interpretação conjugada dos artigos 1790, 1829 e 1845 do Código
Civil. Uma construção a partir do conjunto do Direto (que não cabe na lei)
resultou na seguinte conclusão: filhos e companheira deverão herdar em partes
iguais o valor correspondente ao período de 11/1998 e 03/2008; já no tocante
aos meses abril e maio de 2008, em que reconhecida a união estável, a
companheira faz jus à metade do respectivo valor econômico (meeira), mais um
terço da outra metade, na condição de herdeira, ou seja, juntamente com os dois
filhos do segurado falecido.
Isso foi decidido
nos autos do Agravo de Instrumento Nº 5013208-89.2015.4.04.0000/RS, pela 6ª
Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. No voto, a citação à doutrina
de Luiz Fernando Crespo Cavalheiro:
O que se pretendeu com a regra antes
mencionada foi simplificar o pagamento de eventuais prestações previdenciárias
devidas ao ex-segurado. Ou seja, como a data de falecimento não coincide, em
regra com o último dia do mês, as parcelas compreendidas entre o início do mês
e a data de início da pensão previdenciária, são devidas ao de cujus e, por
isso, integram a sua herança. Entretanto, conhecendo as dificuldades econômicas
da maioria dos segurados da Previdência Social, bem assim o valor ínfimo de
tais parcelas o legislador autorizou o pagamento desses saldos diretamente
àquelas pessoas que sucederam o segurado para efeito de recebimento do
benefício. Todavia, isso, não pode ter aplicação relativamente aos demais
créditos do de cujus, ainda que oriundos de benefícios previdenciários: esses
créditos integram o patrimônio do morto e, por isso, devem ser partilhados
segundo a regra geral de sucessões.[1]
Está aqui a prova
de que não podemos olhar apenas para a disciplina de direito previdenciário.
Quando alguns temas são selecionados como significativos, esse espaço focal é
reduzido, e a própria relação com o direito nos conduz a ver apenas a ponta do
iceberg. Não é possível, igualmente, examinar uma questão apenas mediante a
utilização do método literal de interpretação.
Ah, não tenha medo
de dizer "depende". A hermenêutica filosófica não é
"relativista"; ela se preocupa com a faticidade e tradição ...ela
"[...] não lança, por assim dizer, um 'significado' sobre a nudez de algo
simplesmente dado, nem cola sobre ele um valor [...]".[3]
Escrito por Diego
Henrique Schuster
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Bah1: Disponível
em: <https://oglobo.globo.com/.../artigo-fim-do-foro...>.
Acesso em 17 jun. 2020.
Bah2: ROCHA, Daniel
Machado da; JÚNIOR José Paulo Baltazar. Comentários à lei de benefícios da
Previdência Social. 10 ED. Porto Alegre. Livraria do Advogado Editora; Esmafe,
2011.
Bah3: HEIDGGER, 2002, vol. I, p. 206.
👋👋👋👋👋
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