TEMA 709: FICA A DECISÃO DO STF COMO ESTÁ – E AGORA?
A resposta é óbvia: não sabemos se o STF admitirá
eventuais embargos de declaração. Por isso é tão importante trabalhar na
resposta, tanto de maneira teórica como prática. Agora, mesmo com tudo ficando
exatamente como está, nada será automático.
O que pode gerar dúvidas? A necessidade de
devolução de valores nos casos de tutela antecipada (liminar ou específica). A
tese vencedora é no sentido de que: “Nas hipóteses em que o segurado solicitar
a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do
benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco,
inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada,
contudo, seja na via administrativa, seja na judicial a implantação do
benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade,
cessará o benefício previdenciário em questão.”
Uma característica das tutelas provisórias de
urgência ou de evidência é a sua revogabilidade.
O art. 273, §2º, do Código anterior condicionava a
concessão de tutela antecipada à existência de irreversibilidade dos efeitos da
decisão, o que para a doutrina representava uma verdadeira afronta à garantia
constitucional da tutela jurisdicional efetiva, inscrita no inciso XXXV do art.
5º da Constituição. Nessa perspectiva, parece que o CPC 2015 assume o risco de
o gozo preterido do direito não poder ser revertido.
A revogação pode alterar a
situação fático-jurídica para o futuro e, até mesmo, determinar a
devolução de valores. No entanto, está última só deverá ocorrer quando apurado,
na via administrativa, o descumprimento ao art. 57, § 8º, da Lei 8.213/1991 – o
dispositivo proíbe que o beneficiário de aposentadoria especial
desempenhe atividade laboral nociva à sua saúde.
Afirma Leonardo
Greco: “A doutrina e jurisprudência se encarregaram de dar à irreversibilidade
o sentido de um juízo de ponderação entre o perigo de dano alegado pelo
requerente e aquele a que ficaria sujeito o requerido caso concedida a medida
de urgência.”[1] Nesse nível, o ganho com a frustração da convicção de direito
tem maior peso do que o custo do benefício para o INSS, quer seja em razão do
desestímulo à propositura e concessão de tutela antecipada, quer seja em razão
dos motivos que levaram o segurado a pedir o seu benefício na justiça. O juízo de ponderação é feito pelo próprio
Tribunal Federal Regional da 4ª Região, na concessão da tutela específica:
Na vigência do Código
de Processo Civil de 1973, a 3ª Seção deste Tribunal, buscando dar efetividade
ao disposto no art. 461, que dispunha acerca da tutela específica, firmou o
entendimento de que, confirmada a sentença de procedência ou reformada para
julgar procedente, o acórdão que concedesse benefício previdenciário e sujeito
apenas a recurso especial e/ou extraordinário, portanto sem efeito suspensivo,
ensejava o cumprimento imediato da determinação de implantar o benefício,
independentemente do trânsito em julgado ou de requerimento específico da parte
(TRF4, Questão de Ordem na AC nº 2002.71.00.050349-7, 3ª Seção, Des. Federal
Celso Kipper, por maioria, D.E. 01/10/2007, publicação em 02/10/2007). Nesses
termos, entendeu o Órgão Julgador que a parte correspondente ao cumprimento de
obrigação de fazer ensejava o cumprimento desde logo, enquanto a obrigação de
pagar ficaria postergada para a fase executória.
O art. 497 do novo CPC, buscando dar efetividade ao
processo dispôs de forma similar à prevista no Código/1973, razão pela qual o
entendimento firmado pela 3ª Seção deste Tribunal, no julgamento da Questão de
Ordem acima referida, mantém-se íntegro e atual.
Nesses
termos, com fulcro no art. 497 do CPC, determino o cumprimento imediato do
acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora a ser efetivada
em 45 dias, mormente pelo seu caráter alimentar e necessidade de efetivação
imediata dos direitos sociais fundamentais, bem como por se tratar de prazo
razoável para que a autarquia previdenciária adote as providências necessárias
tendentes a efetivar a medida. Saliento, contudo, que o referido prazo
inicia-se a contar da intimação desta decisão, independentemente de
interposição de embargos de declaração, face à ausência de efeito suspensivo
(art. 1.026 CPC).
Na busca pela efetividade dos direitos
fundamentais, mesmo que sujeita a erro, prefere-se celeridade à perfeição. O
que está em jogo é o “resultado útil do processo”. Note-se que o tema 709 foi afetado
em 2016 – e desde lá aguarda uma decisão. O risco judiciário não tem relação
com o risco como fundamento de responsabilidade objetiva ou da boa fé-objetiva.
Deve ter ficado claro, mas no caso do tema 709, a
revogabilidade não resulta de novos fatos e novas provas ou simples reexame
pelo juiz de fatos e circunstâncias apreciados por ocasião da concessão. A
parte da possibilidade, ou não, de permanência do trabalhador aposentado num
ambiente insalubre, não atrai a discussão sobre o resultado precário da
cognição, isto é, de uma cognição incompleta. A medida não perde a eficácia por
conta de uma revisão do benefício a que faz jus o segurado.
Ainda, Leonardo Greco mantém que
a certeza no direito é uma ficção imposta pela necessidade de segurança nas
relações jurídicas – uma característica do positivismo jurídico. A cognição
deve ser considerada exauriente após a confirmação da aposentadoria especial em
segunda instância (grau). A provisoriedade quanto à questão envolvendo a
constitucionalidade do art. 57, § 8º, do CPC não deixa espaço para argumentos
ou provas, já que esbarra na verificação da real situação do autor – no espaço
da fiscalização do INSS – e da instauração de um procedimento administrativo
próprio.
Apesar de não haver necessidade de um processo
autônomo para a revogação da tutela antecipada, em sede de liminar, a
consequência gerada pela permanência do percipiente de aposentadoria especial
no trabalho insalubre deve ser discutida num processo autônomo, com início num
procedimento administrativo, respeitado o devido processo legal. No curso de uma ação de
concessão de aposentadoria especial não faz sentido exigir da parte autora
prova do seu afastamento do trabalho insalubre.
O caráter de julgamento provisório, na tutela
antecipada, não alcança a questão discutida no tema 709. A implantação “efetivada”
(expressão utilizada na tese) depende da certeza sobre a necessidade de
afastamento, da constitucionalidade da norma. Não se pode colocar na conta do
segurado a escolha ou dúvida sobre a possibilidade de trabalhar – direito
constitucionalmente assegurado e que resulta num novo proveito – até a
definição do tema.
Por outro lado, as
decisões que transitaram em julgado, assegurando-se a possibilidade de o
percipiente de aposentadoria especial continuar trabalhando sob condições
especiais, deverão ser discutidas pela via da ação rescisória (não pretendo
avançar por esse caminho).
Não estamos diante de uma simples divergência
jurisprudencial. Sem adentrar no mérito da questão propriamente dita – se isso
contraria ou não a lógica do benefício previdenciário –, importante perceber
que a decisão, no julgamento do incidente de inconstitucionalidade
5001401-77.2012.404.0000, pela Corte Especial do TRF da 4ª Região, resultou
numa verdadeira modificação do estado de direito, sendo possível, até mesmo, a
revisão daquilo que foi instituído numa sentença, nos termos do art. 505, I, do
CPC/2015. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO E
PROCESSUAL CIVIL. COISA JULGADA. RECONHECIMENTO SUPERVENIENTE DE
INCONSTITUCIONALIDADE DE NORMA. POSSIBILIDADE DE REVISÃO. ART. 505, I, DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 1. Nas relações jurídicas continuativas, a lei
processual civil admite, no inciso I do art. 505, que sobrevindo situação no
estado de direito em vigor por ocasião de demanda anterior, a parte postule a
revisão do quanto decidido, independentemente do ajuizamento de ação
rescisória. 2. Caso em que a modificação decorre do julgamento do incidente de
inconstitucionalidade 5001401-77.2012.404.0000, em maio de 2012, por esta
Corte, no qual se reconheceu a invalidade da restrição contida no §8º do art.
57 da Lei de Benefícios, por violar, entre outros, o direito ao livre exercício
de atividade profissional. 3. Sobrevindo o reconhecimento da
inconstitucionalidade, a norma, que foi aplicada por ter sido considerada
vigente na decisão anterior, não mais pode produzir efeitos, comprometendo a
validade da condição então estabelecida para o gozo de aposentadoria especial -
o afastamento do trabalho. 4. Para a compatibilização da nova situação
normativa com a decisão anterior transitada em julgado, a melhor solução é
admitir-se, nos termos do inciso I do art. 505, a revisão do quanto decidido, afastando-se
a condição lá estabelecida, com efeitos, porém, a partir do momento em que a
parte tomou a iniciativa de pedir tal revisão, ou seja, a partir do ajuizamento
da ação. Apelação provida para afastar o óbice da coisa julgada e devolver os
autos à origem para prosseguimento. (TRF4, AC 5002525-94.2015.4.04.7112, Sexta
Turma, Rel. Taís Schilling Ferraz, j. aos autos em 04.04.2018)
Nesse caso, o prazo de decadência não se aplica às relações
jurídicas continuativas, se tiver havido modificação do estado de fato ou de
direito.
Isso implica, então, que se deve entender a tese
fixada pelo STF num sentido amplo, certamente, não só para os benefícios que
serão concedidos a partir de agora.
Defende-se, portanto, que não será devida a devolução de valores para quem teve
o benefício implantando em sede de tutela antecipada e trabalhou até a ciência
da decisão do STF.
Façamos um balanço disso: na fase de conhecimento,
nos processos sobrestados/suspensos, deverá o tribunal ou turma recursal
intimar a parte para lhe dar ciência sobre a impossibilidade de permanecer ou
retornar ao trabalho insalubre, sem lhe cobrar a devolução de valores até ali. A propósito, após a intimação,
se o aposentado continuar trabalhando exposto a agentes nocivos, o
INSS notificará para, no prazo de 60 dias, deixar a atividade. Conforme o art. 69 do
Decreto 3.048/1999:
Art. 69. A data de início da aposentadoria
especial será
fixada:
a) a partir da data do desligamento
do emprego, quando requerida a aposentadoria especial, até noventa dias após
essa data;
ou
b) a partir da data do requerimento,
quando não houver desligamento do emprego ou quando a aposentadoria for
requerida após o prazo estabelecido na alínea “a”;
Parágrafo único. O segurado que retornar ao
exercício de atividade ou operação que o sujeite aos riscos e agentes nocivos
constantes do Anexo IV, ou nele permanecer, na mesma ou em outra empresa,
qualquer que seja a forma de prestação do serviço ou categoria de segurado,
será imediatamente notificado da cessação do pagamento de sua aposentadoria
especial, no prazo de sessenta dias contado da data de emissão da notificação,
salvo comprovação, nesse prazo, de que o exercício dessa atividade ou operação
foi encerrado.
Ainda, mesmo sendo possível a aplicação da nova
orientação em sede de cumprimento de sentença, naqueles casos em que a sentença exequenda tenha
transitado em julgado após o julgamento do STF, não cabe ao Poder Judiciário
condicionar a implantação do benefício ou atrasados. Por outras palavras, a
fiscalização continua sendo dever do INSS.
Por último, e não menos
importante, devemos lembrar do caráter alimentar do benefício e, por isso, da decisão
do STF no julgamento dos embargos de declaração opostos no processo da "desaposentação" (tema 509). Aliás, esse posicionamento não
apenas contraria a decisão do STJ (tema 692) como a supera, devendo ser
revisada a tese da devolução de valores em razão de tutela antecipada/urgência
revogada.
Escrito por Diego Henrique Schuster
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Bah1: GRECO, Leonardo. A tutela da urgência e a tutela da evidência no
Código de processo Civil de 2015. In:
RIBEIRO, Darci Guimarães; JOBIM, Marco Félix (Orgs.). Desvendando o novo CPC.
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015.
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