TEMA 709: E COMO ERA ANTES?
O STF julgou o tema 709 e firmou, por maioria de votos, as seguintes
teses:
i) É
constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial
se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna,
seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não.
ii) Nas hipóteses em que o
segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a
data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando
a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na
via administrativa, seja na judicial a implantação do benefício, uma vez
verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o benefício
previdenciário em questão.
Quando este artigo estiver sendo lido as teses firmadas já poderão estar
mais claras. Fica a dúvida, pois, em relação a quem teve o benefício concedido
em sede de tutela específica. A ciência contará a partir da intimação do tribunal
ou turma recursal? Será exigida a devolução de valores? O STF irá modelar os
efeitos da decisão (ex nunc)? E quanto aos efeitos na esfera trabalhista: a concessão da aposentadoria especial acarreta a extinção do contrato de trabalho por iniciativa do empregado?
Na medida em que o art. 57, § 8º, da Lei
8.213/1991 nos remete para o art. 46 (“O aposentado por invalidez que retornar
voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a
partir da data do retorno”), cumpre observar que a expressão “cancelada” ganha
outros contornos na aposentadoria especial. Concorda-se com Wladimir Novaes
Martinez: “Caso o percipiente de aposentadoria especial volte ao trabalho em
atividade insalubre não tem cancelado o benefício (PBPS, art. 57,
parágrafo 8º); ele é suspenso.”[1]
Por outras tintas a suspensão está para o
percipiente de aposentadoria especial como para os dependentes do segurado
preso que foge da prisão (RPS, arts. 117 e 118). Assim, caso ele seja
recapturado, impõe-se o pagamento das mensalidades a partir de então (RPS art.
117, parágrafo 2º), sem o pagamento dos atrasados. Eu sei que toda e qualquer
comparação é perigosa, e não se pode abrir mão da indagação, mas a comparação
fica dentro do espaço que realmente importa (neste caso, o benefício é
restabelecido, nas condições anteriores - pelo menos nos casos em que ele não
ficar foragido por tempo superior ao período de graça).
O INSS costuma fundamentar a suspensão do
benefício no art. 69 do Decreto 3.48/99. O benefício, portanto, é cessado.
Enfim, o retorno do percipiente de aposentadoria especial ao exercício de
atividade ou operação que o sujeitem a agentes nocivos prejudica apenas o
recebimento de sua aposentadoria. Não vejo como se comparar esse retorno
voluntário com um abandono voluntário, no sentido dessa cessação importar uma
renúncia à aposentadoria, com a reabertura da vida previdenciária – com
proposição para uma nova aposentadoria (desaposentação).
Deve ter ficado claro, mas não concordo
com uma punição, no sentido de o segurado perder a aposentadoria especial; mas
também não concordo que o “cancelamento” seja tratado como um “prêmio”, com a
possibilidade de o segurado retornar ao trabalho e agregar mais tempo de
contribuição, para fins de concessão de um novo e mais vantajoso benefício.
Além disso, não faz sentido tratar o “cancelamento” dessa forma, se garantido está o direito ao benefício de aposentadoria especial, ou seja, se trata de direito incorporado ao patrimônio do trabalhador.[2] Agora, entendo a empolgação com a possibilidade de o benefício ser cancelado e o segurado pedir um novo e mais vantajoso benefício, mas estou tentando deixar o direito menos incoerente. Segundo Ronald Dworkin "Os astrônomos postularam a existência de Netuno antes de descobri-lo. Sabiam que só um outro planeta, cuja órbita se encontrasse além daquelas já conhecidas, poderia explicar o comportamento dos planetas mais próximo"[3]. A integridade é o nosso Netuno. A explicação mais natural apela para a suspensão ou cessação do benefício, com, no máximo, o restabelecimento nas condições que já havia adquirido. Oportuna a transcrição dos seguintes trechos do voto do Ministro Dias
Toffoli (Relator):
Na prática, o relator não admite a possibilidade
de o sujeito trabalhar e receber a aposentadoria especial. O efeito prático
disso é a suspensão. Sendo sincero como se deve ser, se o cancelamento for
tratado como uma punição, temo pela manipulação dos sentidos, para se afastar,
de alguma forma ou de outra, o direito adquirido à aposentadoria especial até
12/11/2019, empurrando o segurado para a EC 103/2019 e, nesse espaço, uma
situação mais prejudicial (em que nem a aposentadoria especial será possível). Mesmo
antes da decisão do STF, o segurado que tivesse o seu benefício cassado pelo
INSS, em razão da permanência ou retorno ao trabalho insalubre, precisaria de
uma ação judicial, com vistas ao restabelecimento do benefício. Agora, se for para privilegiar uma interpretação
literal do art. 46 da Lei de Benefícios, esta deverá ser favorável ao segurado,
ou melhor, devemos sempre privilegiar uma interpretação literal quando favorável
ao destinatário das normas previdenciárias. Dentro desse espaço se
poderia argumentar que o cancelamento traz, além da não percepção das
mensalidades do benefício, a possibilidade de o segurado pedir um novo
benefício. Então,
podemos confiar no art. 5º, inc. XXXVI, da CF/88, e 6º, § 2º, da LINDB? É
importante destacar que eu não consideraria essa opção antes da reforma e/ou da
decisão do STF.
Adicionalmente, é de se ter em vista que,
mesmo em relação ao labor especial, não há propriamente proibição, mas sim a
colocação de uma escolha ao obreiro, o qual, optando por persistir na
atividade, terá seu benefício suspenso. Na hipótese, a limitação colocada, a
qual não se mostra de modo algum onerosa ou penosa em excesso, uma vez que
inexiste interdição total ao trabalho ou colocação de óbice intransponível ao labor,
harmoniza-se com o dever e vontade do Poder Público de agir para proteger o
trabalhador, o que é albergado e incentivado pelo texto constitucional. Não
entendo, portanto, como possa haver inconstitucionalidade por violência ao art.
5º, inciso XIII, da Constituição da República.
Caso houvesse expressa e absoluta incompatibilidade entre
as regras insculpidas nos arts. 49; 57, § 2º; 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91,
poder-se-ia falar, talvez, em acolhimento do pedido para que se defina como
data de início da aposentadoria especial o dia do afastamento da atividade. Não
sendo esse, todavia, o caso, o espírito que deve orientar o intérprete é sempre
o da preservação das normas. Os arts. 49 e 57, § 2º, cuidam do início do
benefício; o art. 57, § 8º, versa sobre suspensão da aposentadoria.
Inexiste colisão imediata apta a tornar impossível o convívio das citadas
regras.
Considere-se, por exemplo, cenário em que o segurado, à
data fixada como de início do benefício, continua no labor especial ou a ele
retorna. O fato de ele permanecer ou retornar à atividade não significa que a
data de início será alterada – isso porque as datas de início, por cristalina
previsão legislativa, orientam-se pelo art. 49, não pelo art. 57, § 8º. Esse
retorno ou continuidade significa apenas que o percebimento dos proventos da
aposentadoria ficará suspenso enquanto perdurar o labor nocivo – esse é o
conteúdo do art. 57, § 8º, o qual, em momento algum, visou a dispor sobre a
data de início do benefício, mas sim, vale ressaltar, sobre hipóteses de
suspensão de aposentadorias especiais já concedidas.
Por fim, e caso isso não fique claro na
decisão do STF, a concessão/implantação do benefício de aposentadoria especial
não pode ser condicionada à saída do segurado do trabalho insalubre.
Verifica-se ser hipótese de incidência do art. 57, § 8º, da Lei 8.213 /1991 a
permanência ou retorno do segurado ao exercício de atividade especial, ou seja,
depois de concedida a aposentadoria especial. A própria IN INSS 77/2015 não
considera como “permanência” ou “retorno” o período entre a DER e a ciência da
decisão concessória do benefício: “Não será considerado permanência ou retorno
à atividade o período entre a data do requerimento da aposentadoria especial e
a data da ciência da decisão concessória do benefício” (Art. 254, § 3º).
O tema 709 desperta muita atenção para
conceitos como “prevenção”, “proteção social” e “dignidade da pessoa humana”.
Porém, essa atenção não é prova da sua atualidade, mas de seu desaparecimento. Concorda-se com o Min. Luiz Fux, a concessão de aposentadoria especial, com
redução do tempo de contribuição, não tem produzido o efeito esperado, ou seja,
o de induzir as empresas a investirem em prevenção para reduzir os riscos do
ambiente de trabalho. Assim sendo, acredita-se que a decisão do STF, no tema
709, possa estimular as empresas a buscarem a manutenção de seus empregados
mediante investimento em segurança do trabalho, a fim de não caracterizar a
atividade como especial.
Escrito por Diego Henrique Schuster
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Bah1: MARTINEZ, Wladimir Novaes. Desaposentação. 2. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 75.
Bah2: O Ministro Alexandre trata como hipótese expressa de suspensão: “- Implantado o benefício, o retorno ao labor nocivo implicará a suspensão do seu pagamento.” Tanto é assim que ele perfilha da doutrina de Fábio Zambitte Ibrahim: “Embora se fale em cancelamento, o mais correto é suspensão, já que, se o segurado afasta-se das atividades nocivas, o benefício deve voltar a ser pago, pois se trata de direito adquirido deste. (pag. 619)”.
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