A MINHA PRIMEIRA CARTA DE CONCESSÃO COM BASE NA EC 103/2019: VOLTEI A SER CRIANÇA NA PRIMEIRA ANÁLISE!



Apesar de tudo, hoje é um dia especial! Tive meu primeiro contato com uma carta de concessão em que analisado o direito do segurado à luz da "nova previdência" (EC 103/2019). Nela, o INSS concede uma aposentadoria por idade a um homem com 22 anos, 01 mês e 4 dias de tempo de contribuição. Só o tempo de CTPS totaliza 14 anos, 11 meses e 4 dias (antes de 07/1994), o que corresponde a 180 contribuições mensais (carência).



            É de se ver que restou no “modelo” a referência à Lei 9.876/1999. Mas o que o sistema do INSS analisou?
:::::::::::::::::::::::::::  Direito adquirido em 13/11/2019 :::::::::::::::::::::::::::
Não deu! A idade mínima nessa data era de 64 anos, 09 meses e 19 dias. E se fossem 64 anos, 11 meses 29 dias ou, ainda, 34 anos, 11 meses e 29 dias de tempo de contribuição? Mesma coisa, digo, a falta de um dia apenas coloca o segurado de "fora" do direito adquirido, restando apenas a expectativa de direito - cabe analisar se a expectativa de direito está, ou não, protegida por alguma regra de transição da EC 103/2019 e quais as condições e critérios de cálculo (RMI) do benefício. Não se faz necessário, no caso concreto, analisar uma aposentadoria por pontos ou regra de transição da aposentadoria por tempo de contribuição.

:::::::::::::::::::: Regra transitória do art. 18 (Aposentadoria por Idade) ::::::::::::::::::::
Em 28/01/2020 ele já tem direito a uma aposentadoria por idade, por contar com 65 anos de idade, porém, com base na EC 103/2019. Os critérios de acesso para o homem que se filiou antes de 13/11/2019 são 15 anos de tempo de contribuição, 180 contribuições mensais e 65 anos de idade.


:::::::::::::::::::::: Regra geral do art. 19 (Aposentadoria programada) ::::::::::::::::::::::
O segurado também fecha com 65 anos de idade. A essa altura, é possível se afirmar que o sistema continua a exigir 180 contribuições (carência), o que significa que "um dia de trabalho, no mês, vale como contribuição para aquele mês, para qualquer categoria de segurado" (IN INSS 77/2015, art. 145). No caso, o total de carência é 276 contribuições.

Não tendo o segurado direito adquirido pela regras anteriores, ou seja, não tendo o segurado preenchido (todos) os requisitos ensejadores da aposentadoria no sistema anterior, tem-se como critério de acesso 15 anos de contribuição e 180 contribuições mensais (carência) e, de cálculo, 60% + 2% para cada ano que ultrapassar os 20 anos, independentemente da regra, se art. 18 ou 19 da EC 103/2019. No que diz respeito à alíquota, portanto:
20 – 60%
21 – 62%
22 = 64%
São 12 contribuições no período entre 07/1994 e a DER (28/01/2020). O que interessa verificar aqui? O sistema aplicou o mínimo divisor?




De 07/1994 a 01/2020 são 307 meses. Dentro do PBC ele possui apenas 19 contribuições, sendo que 9 foram desconsideradas (no valor de um salário mínimo). Ou seja, somente 10 contribuições foram consideradas, logo, 10 é o divisor aplicado (100% da média de contribuições). Então, não foi aplicado o divisor mínimo!

Estaria o sistema do INSS programado para fazer a exclusão possível, isto é, aquela que não interfere no critério de cálculo (alíquota ou coeficiente)? Nitidamente, o sistema desconsiderou o período ininterrupto de 01/1995 a 09/1995. Assim, como eram 22 anos, 11 meses e 4 dias, o sistema excluiu 9 mensalidades, o que não interfere no coeficiente de 64%. 

A pergunta que se poderia levantar a partir dessa hipótese: Por que, então, o sistema não excluiu 11 salários? Vale lembrar que tal situação não se confunde com a exclusão de 20% dos piores salários de contribuição, que não existe depois que a EC 103/2019 entrou em vigor.
De qualquer forma, conforme o § 6º do art. 26 da EC 103/2019, seria possível excluir mais do que 9 meses, deixando apenas a competência de 02/2005. Isso reduziria o coeficiente para 62%. A RMI seria de R$3.426,99, bem superior!
É certa a possibilidade de exclusão de contribuições que resultem em redução do valor do benefício, desde que mantido o tempo mínimo de contribuição exigido, conforme § 6º do art. 26. Com efeito, o segurado homem que possuir 20 anos de contribuição poderá excluir, inclusive de forma fracionada, 5 anos de contribuição. Aqui a exclusão de 5 anos pode interferir no coeficiente, baixando-o para 62%. Observada a carência (180 contribuições mensais), é possível se ficar com apenas uma contribuição no PBC.
Note-se que todas conclusões são parciais, fazendo-se necessário analisar outras cartas de concessão, para ligar os pontos. É possível que a carta esteja equivocada. Como observou Wittgenstein, "Como posso generalizar um caso tão irresponsavelmente?" Não estou generalizando. Estou tirado conclusões provisórias com base na primeira carta de concessão que vi, ou seja, reconheço que ela não tem propósito útil - não por ora. Assim, não estamos inclinados a tirar falsas conclusões com base numa única carta de concessão. Nesse contexto especulativo, portanto, é possível se dizer que o INSS não aplicou o mínimo divisor, desconsiderou e excluiu contribuições, porém, no limite (ou quase) do coeficiente.
A carta de concessão me fez sentir aquele frio na barriga de novo. A certeza de que não perdi o encantamento pelo estudo do direito previdenciário. Antes estávamos preocupados apenas em dar nome aos bois, agora é hora de dar bois aos nomes!
Brincadeiras à parte, uma reflexão ética deste cenário se faz necessária. Como fica a responsabilidade da advocacia? Caso se entenda pela inaplicabilidade, contribuir com uma única contribuição, na modalidade de segurado facultativo, para atender os requisitos de uma aposentadoria híbrida pode configurar algum tipo de abuso: um enriquecimento ilícito ou sem causa? 

Escrito por Diego Henrique Schuster

Comentários

  1. No caso, ele implementou os requisitos tanto do art. 18, quanto do art. 19 da EC 103. A RMI teria sido calculada da mesma forma em ambas. Claro, sem entrar no mérito das teses aqui levantadas.

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