O CRITÉRIO DE CÁLCULO DA APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE NA PENSÃO POR MORTE: CONTINUEMOS A PENSAR
Na falta do que fazer
inventei uma nova “tese”. Não é assim que funciona, digo, a gente não inventa
nem descobre nada. O que se faz – a partir de uma análise holística e reflexiva
do que já foi dito, pensado e escrito – é buscar integrar as novas regras a um
sistema coerente, que deve atentar para o conjunto do direito e os objetivos de
um Estado Democrático de Direito.[1] Isso não significa, portanto, negar aquilo
que foi produzido democraticamente, numa tentativa de correção moral do direito – a partir
do que acho justo ou injusto.
Assim,
por exemplo, é inadmissível alguém defender que, por exclusão, a lei deixou o
menor sob guarda de fora da proteção social (da pensão por morte), quando sobre
o tema (já) existe um precedente do Superior Tribunal de Justiça e sua ratio
decidend constitui condição necessária e suficiente para se superar,
exatamente, a ausência de previsão expressa, devendo, por isso, sua orientação
continuar a ser seguida pelos tribunais inferiores, na resolução de casos
análogos-similares. Nesse ponto seria interessante fazer um link com o sistema
legislativo da common law, em razão de sua atuação ser mais restritiva,
justamente, por respeitar os precedentes, enfim, as decisões cumuladas sobre
determinadas matérias e conceitos jurídicos já consolidados.[2] Pensemos na PL
6160/2019 e, nessa perspectiva, nos temas 350/STF e 995/STJ.
Mas
esse não é o tema do presente artigo. O que se pretende discutir, sem pretensão
alguma de esgotar o tema ou cair na prepotência das verdades absolutas, é o
critério de cálculo da pensão por morte, com especial atenção para o RGPS.
Oportuna - para começo de conversa - a transcrição do art. 23 da EC 103/2019:
A
pensão por morte concedida a dependente de segurado do Regime Geral de
Previdência Social ou de servidor público federal será equivalente a uma cota
familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida pelo
segurado ou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por
incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez) pontos
percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento).
Antes
de qualquer outra análise, contudo, cumpre observar que a aposentadoria por
invalidez (“por incapacidade permanente”) agora é (quase) proporcional ao tempo
de contribuição, isto é, o valor corresponderá a 60% da média aritmética (dos
100% dos salários) + 2% cada ano além dos 20 anos de contribuição, se homem; ou
15 anos, se mulher. No regime próprio já era assim, salvo nos casos de acidente
de trabalho, doenças profissionais e doenças do trabalho, sem falar na
impossibilidade de o valor ser inferior ao salário mínimo. No que diz respeito
ao beneficio da pensão por morte, também no RPPS e antes da reforma da
previdência social, vale a comparação:
No RGPS
corresponde ao valor integral da aposentadoria que o segurado recebia ou
daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de
seu falecimento. No RPPS, a concessão do benefício da pensão por morte deverá
ser igual ao valor da totalidade dos proventos do servidor falecido, até o
limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência
social de que trata o art. 201, acrescido de setenta por cento da parcela
excedente a este limite, caso aposentado à data do óbito; ou, ao valor da totalidade
da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se deu o falecimento, até o
limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência
social de que trata o art. 201, acrescido de setenta por cento da parcela
excedente a este limite, caso em atividade na data do óbito.[3]
O
problema (maior) está na segunda parte do dispositivo supramencionado (“ou
servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade
permanente na data do óbito”), ou seja, naqueles casos em que o instituidor do
benefício não estiver aposentado ou não preencher os requisitos ensejadores de
uma aposentadoria antes de 13/11/2019 ou, ainda, pelas regras de transição
(arts. 17 e 20 da EC 103/2019).[4] Isso porque os 50% + 10% para cada dependente
(até 100%) serão calculados sobre 60% da média aritmética (dos 100% dos
salários) + 2% cada ano além dos 20 anos de contribuição, se homem; ou 15 anos,
se mulher.
Tomamos
como exemplo um segurado com 15 anos de contribuição e média de R$ 2.000,00. Se
vier a óbito, o valor da aposentadoria por incapacidade permanente a qual teria
direito se incapaz permanentemente para o trabalho seria de 1.200,00. Já seus
dependentes receberão 60% dos R$ 1.200,00, ou seja, R$ 720,00. No RPPS, se o
dependente não tiver outra renda, a pensão não poderá ser inferior a um salário
mínimo.
Como
nada começa ou termina com aquilo que vou dizer aqui, o mais importante são
sempre as perguntas: O caput do art. 23 faz alguma distinção entre incapacidade
de qualquer natureza ou acidentária? Continuemos a pensar um pouco na relação
do benefício de pensão por morte com o tempo de contribuição do instituidor do
benefício: A pensão pode ser proporcional ao tempo de trabalho do instituidor?
Não menos importante, mas talvez ainda mais importante: E se o segurado morrer
em decorrência de um acidente ou doença do trabalho?
Bom.
É isso mesmo. Eu poderia estar defendendo que a nova cota familiar e,
consequentemente, a cumulação de alíquotas, viola os princípios da proibição de
retrocesso social e da proporcionalidade (no sentido de insuficiência de
proteção de um direito fundamental), para citar apenas estes, mas estou aqui defendendo a possibilidade de a aposentadoria por incapacidade
permanente a que teria o segurado (instituidor da pensão por morte) ser
calculada de acordo com o inc. II, do § 3º, do art. 26, da EC 103/2019, caso
sua morte tenha decorrido de acidente de trabalho, de doença profissional ou de
doença do trabalho.
É
necessário, em certa medida, superar o plano apofântico, sob pena de o jurista
“espatifar” sempre na superfície da regra. A expressão "a que teria direito se fosse" oferece a possibilidade de se discutir a causa da morte? Ela comporta uma interpretação favorável ao destinatário das normas previdenciárias?
Escrito
por Diego Henrique Schuster
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Bah1: Para o Professor Wilson Engelmann é na relação do dito e pensado que se desvela o não dito e não pensado.
Bah2: Cf: STRECK,
Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente e as súmulas vinculantes?
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 28.
Bah3:
CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito de. Regime próprio de previdência social dos
servidores públicos. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2011.
Bah4:
Vale lembrar que é possível a revisão da pensão por morte quando o instituidor
já preenchia os requisitos ensejadores do benefício de aposentadoria. Nesse
sentido a SÚMULA N. 416: “É devida a pensão por morte aos dependentes do
segurado que, apesar de ter perdido essa qualidade, preencheu os requisitos
legais para a obtenção de aposentadoria até a data do seu óbito”.
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