O PRAZO DECADENCIAL NA TESE DO MELHOR BENEFÍCIO: AINDA TENTANDO ENTENDER



No julgamento do Tema 966 o Superior Tribunal de Justiça decidiu: “[...] sob a exegese do caput do artigo 103 da Lei 8.213/1991, incide o prazo decadencial para reconhecimento do direito adquirido ao benefício previdenciário mais vantajoso”. O seguinte trecho do voto resume os motivos pelo qual o Min. Mauro Campbell Marques contrariou a própria consciência:
Destarte, devo me curvar à orientação do Supremo Tribunal Federal, contida no RE 630.501/RS, ainda que no meu modo de sentir, o prazo decadencial contido no caput do artigo 103 da Lei 8.213/1991 não deva incidir para o pedido de reconhecimento do direito ao benefício mais vantajoso, por se tratar de um outro núcleo essencial. O reconhecimento do benefício mais vantajoso equipara-se à pretensão revisional.
Ocorre que no Tema 334 (RE 630.501/RS), a decadência foi referenciada apenas em obiter dictum pelos ministros do STF, ou seja, a questão da decadência não foi submetida (devolvida) à consideração do STF. A questão da decadência enquanto argumento jurídico não se mostrou relevante para a solução do caso, ou seja, mesmo que se concorde que, ali, se entendeu pela aplicação da decadência, tal questão não foi fruto de um intenso contraditório.
Não há sequer uma fragmentação de argumentação jurídica sobre a decadência, já que apresentada como condição para o caso de lei (futura) prever um prazo para o exercício do direito, ou seja, a incidência do prazo decadencial para o exercício do direito, pelo menos até a MP 871/2019 (convertida na Lei 13.846/2019), carecia de mediação legislativa, como bem destacou o Min. Teori Zavascki:
Todavia, em se tratando de direito já incorporado ao patrimônio jurídico, a falta de exercício não acarreta, por si só, a sua perda, a não ser quando se fixa um prazo decadencial, a não ser quando a lei fixa um prazo para o exercício do direito, que não é o caso. O direito assim adquirido pode, portanto, ser exercido a qualquer tempo, ressalvada a decadência.
Por outro lado, a concessão do melhor benefício não se confunde com a revisão do ato de concessão. Nas palavras da relatora do RE 630.501/RS, Min. Ellen: “A alteração da DIB [...] implica consideração de outro período base de cálculo e dos respectivos salários-de-contribuição, anteriores a tal data, os quais, atualizados, apontam salário-de-benefício superior e conseqüente renda mensal inicial melhor que a obtida originariamente, configurando, pois, melhor benefício.”
A expressão “revisão” aparece no sentido de se rever o direito ao melhor benefício entre o preenchimento dos requisitos ensejadores da aposentadoria e data em que exercido, e não rever o ato de concessão. José Antônio Savaris explica: “Antes, discute-se o direito em si à concessão de prestação previdenciária mais efetiva ou vantajosa, como extensão do adquirido, razão pela qual, mercê do devido distinguishing, não se aplica, à espécie, prazo preclusivo de que trata o art. 103 da Lei 8.213/91”.
O que confirma a impressão de que não se trata de revisão do ato de concessão são os debates e manifestações dos ministros. Vale transcrever os seguintes trechos – em que suscitado o prazo decadencial:
A consequência prática é que, enquanto não exercido o direito, não pode, logicamente, ser violado. Essa é a consequência prática do direito potestativo. Todavia, em se tratando de direito já incorporado ao patrimônio jurídico, a falta de exercício não acarreta, por si só, a sua perda, a não ser quando se fixa um prazo decadencial, a não ser quando a lei fixa um prazo para o exercício do direito, que não é o caso. O direito assim adquirido pode, portanto, ser exercido a qualquer tempo, ressalvada a decadência.
De modo que não vejo, com a devida vênia do Ministro Gilmar, aqui, uma hipótese de ser uma situação lotérica. Situação lotérica seria se se pretendesse incorporar novos fatos, ou nova legislação, o que não é o caso. Portanto, afirma que o direito assim adquirido pode ser exercido a qualquer tempo, ressalvada a decadência. Em contrapartida… (MINISTRO TEORI ZAVASCKI)

E ele não pode ser punido, como Vossa Excelência destacou no início, porque ele requereu, posteriormente, a aposentadoria. Então se esse direito já estava integrado no seu patrimônio e, como bem destacou o Ministro Teori Zavascki, se não ocorreu nenhuma interferência de prazo decadencial, ele ainda pode ser exercido. No meu modo de ver, essa é a solução mais justa. Como é o primeiro debate, permito-me dissentir da jurisprudência, que parece ser majoritária, para verificar qual será a solução que o Plenário vai conferir a esse caso concreto com repercussão geral. Senhor Presidente, eu também peço vênia à divergência para acompanhar o voto da Ministra Ellen Gracie. (MINISTRO LUIZ FUX).
Ademais, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 626.489/SE (Tema 313), já disse que somente a revisão do ato de concessão do benefício está sujeita ao prazo decadencial, e não a sua concessão:
[...] o direito fundamental ao benefício previdenciário pode ser exercido a qualquer tempo, sem que se atribua qualquer consequência negativa à inércia do beneficiário [...]. Nesse sentido, permanecem perfeitamente aplicáveis as Súmulas 443/STF 5 e 85/STJ 6, na medida em que registram a imprescritibilidade do fundo de direito do benefício não requerido 7 . 10. A decadência instituída pela MP n° 1.523-9/1997 atinge apenas a pretensão de rever benefício previdenciário." (RE 626489, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 16/10/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-184 DIVULG 22-09-2014 PUBLIC 23-09-2014)
Ainda, o próprio STF entende que a matéria (alcance da decadência) é infraconstitucional, como fica claro no tema 1023, em que se reconheceu a inexistência de repercussão geral:
Recurso extraordinário com agravo. Previdenciário. Revisão de Benefício. Artigo 103 da Lei nº 8.213/1991. Situações abrangidas pelo prazo decadencial. Termo ‘revisão’. Interpretação da legislação infraconstitucional. Questão infraconstitucional. Ausência de repercussão geral. É infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a controvérsia relativa às situações abrangidas pelo prazo decadencial previsto no art. 103 da Lei nº 8.213/91 fundada na interpretação do termo ‘revisão’ contido no referido dispositivo legal.
Nessa perspectiva – e sem pretender cair na prepotência das verdades absolutas –, não poderia o STJ fundamentar sua decisão, no sentido de incidir o prazo decadencial na tese do melhor benefício, com base nos precedentes do Supremo Tribunal Federal, e, como muito maior razão, distorcer a ratio decidendi do RE 630.501/RS. Não poderia o STJ negar seguimento ao recurso extraordinário sob o argumento de que sua decisão está conforme os precedentes do Supremo Tribunal Federal, se este último sequer analisou a questão da decadência. Ou poderia?
Qual o resultado prático desse “conflito”, ou melhor, qual o resultado prático da decisão tomada pelo STJ? Simples. A aplicação do precedente do STF tornou inaplicável a própria tese nele fixada. Vale lembrar que a questão fático-jurídica solucionada pelo STF no julgamento do RE 630.501/RS tinha como pedido a retroação da DIB de 01/11/1980 para 01/10/1979, ou seja, numa espécie de “determinismo retrospectivo”, o prazo decadencial – já nesse caso – não permitiria o reconhecimento do direito adquirido ao benefício previdenciário mais vantajoso, sem a qual a tese sequer poderia ter isso fixada!
A meu ver, a ratio decidendi do precedente RE 630.501/RS não vincula no ponto (da decadência), logo, a orientação contida no RE 630.501/RS não obriga o Superior Tribunal de Justiça a aplicar o prazo decadencial na tese do melhor benefício, pelo contrário, ela obriga a Corte Cidadã a observar o direito adquirido, que deve preservar situação fática consolidada, podendo o segurado/beneficiário escolher o benefício mais vantajoso, considerando as diversas datas em que o direito poderia ter sido exercido.
Mesmo que se entenda que ao Superior Tribunal de Justiça era possível analisar a incidência do prazo decadencial, por se tratar de matéria infraconstitucional, este não poderia fundamentar sua decisão com base nos precedentes do Supremo Tribunal Federal. A distorcida leitura dos precedentes do STF fez, portanto, o STJ se afastar dos próprios precedentes citados para resolver o problema, sendo que tanto a aplicação indevida de tese como sua não aplicação aos casos que a ela correspondam pode ser tratado como uma ofensa manifesta a norma jurídica.
Uma última palavra: tendo em vista o que é vinculante dentro de um precedente, este pode vir a ser violado na solução de um determinado conflito, mesmo quando o operador jurídico pensa estar atendendo sua orientação. O que se deve resguardar, nessa perspectiva, é não apenas a competência do STF para definir o alcance de seus precedentes, evitando-se, ademais, tumultos e inversões, mas a autoridade de suas decisões.

Escrito por Diego Henrique Schuster

Comentários

  1. Eu li, reli a decisão do STJ e cheguei a seguinte conclusão: eles julgaram por interesse. Horrível a argumentação jurídica dos "ministros".

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