O QUE CONFIRMA UMA AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE “INCAPACIDADE PARA O TRABALHO” PODE SER VALIDADO PELO PRÓPRIO DIREITO?



O auxílio-doença parental vai depender de critérios validados pelo próprio Direito – a partir de uma linguagem jurídica, pois, como já seu viu à saciedade, a incapacidade coberta é aquela que afasta o segurado do seu trabalho e da sua atividade habitual por mais de 15 dias, ou seja, em razão de doença ou lesão de que é acometido o segurado filiado ao RGPS, e não um terceiro.
No entanto, depois de escrever o artigo “Auxílio-doença parental: uma realidade que não pode ser ignorada pelos poderes legislativo, executivo e, também, judiciário(?)”[1], algumas mudanças no ordenamento normativo e decisões judiciais reforçam a ideia de que a expressão “incapacidade para o trabalho” não pode ser entendida, em absoluto, no sentido de que apenas no caso de o segurado ser portador de doença ou lesão é cabível o auxílio-doença.
Vejamos então. Foi editada a Lei 13.847, de 2019, que emprestou nova redação ao § 5º do art. 43 da Lei 8.213/1991, operou uma verdadeira mudança no sistema normativo: “A pessoa com HIV/aids é dispensada da avaliação referida no § 4º deste artigo.”
Dito em poucas palavras, os portadores de HIV/AIDS aposentado por invalidez não serão convocados para a avaliação periódica com o fim de comprovar a continuidade da incapacidade. O dito carrega consigo o não dito, ou seja, a aposentadoria por invalidez agora é devida a todos os portadores de HIV/AIDS, independentemente de a doença incapacitar para o trabalho.
Num cenário humano de extrema vulnerabilidade infantil, o juiz Guilherme Maines Caon, da 2ª Vara Federal de Carazinho (RS), concedeu o auxílio-doença parental para uma mãe poder cuidar de sua filha. A sentença, publicada no dia 17/7, determinou a implantação do benefício no prazo de 20 dias.[2]
O Superior Tribunal de Justiça condenou o INSS a arcar com afastamento de mulher ameaçada de violência doméstica. Sobre a lacuna normativa, no sentido de a Lei 8.213/1991 não contemplar o afastamento previsto na Lei Maria da Penha: “A vítima de violência doméstica não pode arcar com danos resultantes da imposição de medida protetiva em seu favor. Ante a omissão legislativa, devemos nos socorrer da aplicação analógica, que é um processo de integração do direito em face da existência de lacuna normativa.”
A decisão assim restou ementada:
RECURSO ESPECIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. MEDIDA PROTETIVA. AFASTAMENTO DO EMPREGO. MANUTENÇÃO DO VÍNCULO TRABALHISTA. COMPETÊNCIA. VARA ESPECIALIZADA. VARA CRIMINAL. NATUREZA JURÍDICA DO AFASTAMENTO. INTERRUPÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. PAGAMENTO. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. PREVISÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA. FALTA JUSTIFICADA. PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO. AUXÍLIO DOENÇA. INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARCIALMENTE. 1. Tem competência o juiz da vara especializada em violência doméstica e familiar ou, caso não haja na localidade o juízo criminal, para apreciar pedido de imposição de medida protetiva de manutenção de vínculo trabalhista, por até seis meses, em razão de afastamento do trabalho de ofendida decorrente de violência doméstica e familiar, uma vez que o motivo do afastamento não advém de relação de trabalho, mas de situação emergencial que visa garantir a integridade física, psicológica e patrimonial da mulher. 2. Tem direito ao recebimento de salário a vítima de violência doméstica e familiar que teve como medida protetiva imposta ao empregador a manutenção de vínculo trabalhista em decorrência de afastamento do emprego por situação de violência doméstica e familiar, ante o fato de a natureza jurídica do afastamento ser a interrupção do contrato de trabalho, por meio de interpretação teleológica da Lei n. 11.340/2006. 3. Incide o auxílio-doença, diante da falta de previsão legal, referente ao período de afastamento do trabalho, quando reconhecida ser decorrente de violência doméstica e familiar, pois tal situação advém da ofensa à integridade física e psicológica da mulher e deve ser equiparada aos casos de doença da segurada, por meio de interpretação extensiva da Lei Maria da Penha. 4. Cabe ao empregador o pagamento dos quinze primeiros dias de afastamento da empregada vítima de violência doméstica e familiar e fica a cargo do INSS o pagamento do restante do período de afastamento estabelecido pelo juiz, com necessidade de apresentação de atestado que confirme estar a ofendida incapacitada para o trabalho e desde que haja aprovação do afastamento pela perícia do INSS, por incidência do auxílio-doença, aplicado ao caso por meio de interpretação analógica. 5. Recurso especial parcialmente provido, para a fim de declarar competente o Juízo da 2ª Vara Criminal -------------------, que fixou as medidas protetivas a favor da ora recorrente, para apreciação do pedido retroativo de reconhecimento do afastamento de trabalho decorrente de violência doméstica, nos termos do voto.[3]
É de se ver que as referidas decisões sobre o tema atentam para a legislação e a jurisprudência, podendo, assim, confortar ou demonstrar a viabilidade de tal entendimento.

Escrito por Diego Henrique Schuster
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