APOSENTADORIA ESPECIAL DO – OU DE QUEM JÁ FOI – SERVIDOR PÚBLICO: O QUE REALMENTE PREOCUPA – UMA VEZ ESTABELECIDOS OS CONTORNOS JURÍDICOS DO BENEFÍCIO QUE SE PRETENDE?



O dilema envolvendo diferentes regimes previdenciários e a concessão do benefício no RGPS é: não faz sentido exigir que o sujeito, primeiro, proponha uma ação contra o município, objetivando a expedição uma CTC da qual conste o tempo especial, para, só depois disso (vale dizer: anos depois), buscar junto ao INSS a averbação do referido tempo, para fins de concessão da aposentadoria especial – e vice-versa.
Até mesmo no caso de um servidor público que trabalhou para diferentes entes federativos fica a dúvida. Tomamos como exemplo um servidor que, ao longo de sua vida, passou por três diferentes municípios: é possível averbar o tempo de dois municípios num só (em que permanece trabalhando) e, contra esse último, propor a ação de concessão do benefício, ou, na pior das hipóteses, colocar os três municípios no pólo passivo da ação?
Outros são os desdobramentos possíveis, mas as perguntas que tangenciam o problema gravitam (quase) sempre entorno da competência, legitimidade e, sobretudo, o tempo (a demora). Este último, se considerado à luz da experiência, poderá fazer com que muitos desistam.
Considerando que o trabalho especial, independentemente do regime, será analisado à luz das regras do Regime Geral da Previdência Social (Lei 8.213/1991, art. 57)[1], o que todos defendemos é a possibilidade de, numa única ação – contra quem, ao fim e ao cabo, concederá o benefício –, discutir a especialidade dos períodos. Mas aqui estou simplificando a questão, ou não? Imaginemos, no RGPS, uma ação contra cada uma das empresas. Pois. Se precisar de prova pericial esta deve ser realizada em cada um dos municípios.
O servidor público que se encontrava sob a égide do regime celetista quando da implantação do Regime Jurídica Único pode pedir o reconhecimento e averbação do tempo de serviço prestado em condições perigosas e insalubres junto ao ente federativa em que se dará a aposentadoria.
No que diz respeito à conversão, é suficiente reter que o Supremo Tribunal ficou a meio caminho. A conversão do tempo tem como fundamento os arts. 40, § 4º, e 201, § 1º, da Constituição, onde essa discriminação jurídica positiva assume nítido caráter de direito subjetivo de natureza fundamental e social. Em que pese a conversão ser resultado da divisão do número máximo de tempo comum pelo número máximo de tempo comum (raciocínio lógico), ela não realiza por si só. A conversão do tempo é critério matemático invocado em razão do princípio da isonomia, conforme repetitivo nº 1.251.363/MG. Destarte, resta claro que o tempo resultante da conversão do tempo especial em comum não é ficto.
Segundo Marcelo Barroso Lima Brito de Campos: “Não se trata de tempo fico, mas de tempo real convertido para outra modalidade de aposentadoria”.[2] Enquanto persistir a discriminação jurídica positiva em favor de quem trabalha exposto a agentes nocivos, a dimensão preventiva e protetiva do benefício da aposentadoria especial, entendo que seja possível, também, a conversão de qualquer tempo especial, dada a necessidade do Poder Judiciário observar a coerência e integridade do direito. O STJ na AR 3.320-PR já disse que os servidores públicos federais têm direito de contagem do tempo especial nos moldes do RGPS, mesmo antes da Lei 8.112/90, considerando a mudança de seu regime jurídico administrativo.
Aliás, a Súmula Vinculante 33/STF deve ser encarada como uma lei, ou melhor, um texto jurídico que, como tal, deve ser interpretado (é diferente de um precedente, em que se deve analisar as circunstâncias e particulares dos casos que fundamentaram a decisão). Ao se dizer que devem ser aplicadas as “regras do regime geral da previdência social”, tem-se, no mínimo, uma aplicação completa do artigo 57 da Lei 8.213/91, sem a exclusão da conversão do tempo especial comum prevista no § 5º – como entendeu o Ministro Marco Aurélio (MI 4.367/DF, 6.286/DF e 2.901/DF). A possibilidade de conversão é compatível com a ausência de ausência de norma que regulamente a aposentadoria especial.
Pensemos, ainda, na possibilidade de reconhecimento da especialidade do tempo de serviço prestado junto às Forças Armadas.
O artigo 100 da Lei nº 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos da União) reconhece que o tempo de serviço prestado às Forças Armadas é tempo de serviço público federal, computado para todos os efeitos, de modo que, mediante o instituto da contagem recíproca, o artigo 3º da Lei 9.796/99 garante a compensação financeira ao Regime Geral de Previdência Social pela União Federal, ente público ao qual o militar estava vinculado.
Com efeito, o INSS, depois que concedida a aposentadoria especial, poderá pedir a compensação financeira entre o Regime Geral de Previdência Social e os regimes de previdência dos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos dos artigos 40, § 9º, e 201, § 9º, da CF/88.
Para confortar e demonstrar a viabilidade de tal entendimento, colaciona-se trecho de decisão proferida pela 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Pernambuco, processo 0500790-48.2017.4.05.8311, de relatoria do Juiz Federal Joaquim Lustosa Filho: “A Justiça Federal é competente para a apreciação da causa, pois se trata de demanda proposta contra autarquia federal (artigo 109 da Constituição). Possui legitimidade o INSS, pois o benefício foi por ele negado. Assim, caracterizada a pretensão resistida, contra aquele que resistiu é que deve ser proposta a demanda.”
No que tange ao pedido de inclusão da União Federal no pólo passivo da ação:
Reconhecimento da existência de litisconsórcio passivo necessário entre União Federal e INSS, previsto no artigo 47 do Código de Processo Civil de 1973. São atribuições exclusivas do INSS a conversão do tempo de serviço laborado sob o regime celetista e a emissão da respectiva certidão de tempo para fins de contagem recíproca. Ato contínuo, à União Federal compete proceder às consectárias averbações, junto ao Regime Próprio a que atualmente se vincula o autor, do tempo especial certificado pelo INSS. Precedentes. 5. A União Federal e o INSS são partes legítimas em relação ao objeto da lide no tocante às atribuições inseridas em suas respectivas esferas de competências. Tendo em vista que a sentença declarou a ilegitimidade passiva em relação à União Federal e, noutro aspecto, deixou de incluir o Instituto Nacional do Seguro Social na lide, impõe-se a anulação da sentença recorrida. (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1248136 - 0009040-06.2003.4.03.6103, Rel. JUÍZA CONVOCADA LOUISE FILGUEIRAS, julgado em 20/09/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/09/2017)
Não faz sentido exigir que alguém que tenha prestado serviço às forças armadas tenha que, primeiro, formular contra a União um pedido de reconhecimento como especial do tempo de serviço, para, só depois disso (anos depois), buscar junto ao INSS a averbação do referido tempo para fins de concessão da aposentadoria especial. Querem ver uma coisa engraçada? Tecnicamente - para quem assim concorda - a legitimidade para fins de obtenção do BPC é da União, pois a manutenção da assistência social é atributo desta, cabendo ao INSS a mera execução. Não obstante o STJ entende pela legitimidade exclusiva do INSS (EREsp 194.463/SP, Re, Ministro EDSON VIDIGAL, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/03/2001, DJ 07/05/2001, p. 128). E pensar que o TRF4 chegou a editar a Súmula 61 (cancelada em 2004), estabelecendo que "A União e o INSS são litisconsortes passivos necessários nas ações em que seja postulado o benefício assistencial previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, não sendo o caso de delegação de jurisdição federal". A analogia do jogo não é aqui fortuita.
A questão que (sempre) se coloca: é razoável admitir a necessidade de o segurado ajuizar duas ações para ver reconhecida a aposentadoria especial, mediante a inclusão de um período que será, de qualquer forma, analisado à luz das regras do RGPS e incorporado na aposentadoria paga pelo INSS? E mais: é razoável premiar o INSS com eventual subtração dos valores devidos desde o implemento dos requisitos ensejadores do benefício previdenciário? Sobre os efeitos financeiros da aposentadoria especial do servidor: devem contar desde o requerimento ou a sentença? Está assegurado o abono permanência para os servidores que completem os requisitos para se aposentar?
Todos já sabem que não escrevo para ensinar, mas para tentar entender. Assim, conto com a opinião dos colegas sobre as perguntas e proposições aqui lançadas. Alguma decisão confortando o nosso entendimento?
Escrito por Diego Henrique Schuster
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Bah1: Como a concretização do art. 40, caput, da Constituição de 1988 reclama mediação legislativa, foi editada a Súmula 33 do STF: “Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica”.
Bah2: CAMPOS, Marcelo Barroso Lima. Regime próprio de previdência social dos servidores públicos. 6. ed. Curitiba: Juruá, 2015. p. 243-244.

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