A REAFIRMAÇÃO DA DER NA TESE DO FATO SUPERVENIENTE: UMA (RE)AFIRMAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL-SOCIAL-PREVIDENCIÁRIO
A prova do fato
constitutivo do direito previdenciário pode ser realizada não apenas durante
qualquer fase processual no primeiro grau de jurisdição, mas, após a sentença,
no âmbito da instância revisora[1]. Trata-se de uma questão exclusivamente
judicial, assim como a discussão que gravita em torno da (im)possibilidade de o
julgador considerar o tempo de serviço especial exercido após o ajuizamento da
ação judicial (Tema 995/STJ).
Esta questão diz respeito à tese do fato
superveniente[2].
O novo Código de
Processo Civil, no seu art. 493, não só reproduziu a literalidade do artigo 462
do Código de Processo Civil de 1973, mas acrescentou o art. 933, que prevê,
expressamente, a possibilidade de o fato superveniente à decisão recorrida ser
considerado no julgamento do mérito, devendo o julgador (relator do tribunal ou
turma recursal) dar às partes oportunidade de se manifestar sobre a nova
questão. A situação deverá ser mensurada a partir de dois estágios: se a
constatação de fato superveniente for constatada durante a sessão de julgamento
ou em vista dos autos, conforme §§ 1º e 2º deste último.
Ainda no regime processual anterior, o
Superior Tribunal de Justiça possui decisões cumuladas sobre o tema:
A prestação jurisdicional
deve se dar de acordo com a situação dos fatos no momento da sentença ou do
acórdão. (REsp 1183061/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 20/08/2013, DJe 30/08/2013)
O julgamento deve refletir o estado de
fato da lide no momento da entrega da prestação jurisdicional. O fato
superveniente (art. 462 do CPC) deve ser tomado em consideração no momento do
julgamento a fim de evitar decisões contraditórias e prestigiar os princípios
da economia processual e da segurança jurídica. (REsp 911.932/RJ, Rel. Ministro
RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/03/2013, DJe
25/03/2013)
De acordo com a regra inserta no art. 462 do Código de Processo
Civil, o fato constitutivo, modificativo ou extintivo de direito, superveniente
à propositura da ação deve ser levado em consideração, de ofício ou a
requerimento das partes, pelo julgador, uma vez que a lide deve ser composta
como ela se apresenta no momento da entrega da prestação jurisdicional. (REsp
1147200/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe
23/11/2012)
Em matéria previdenciária, o modo mais
específico de implementação da tese se dá através da chamada Reafirmação da
DER, procedimento adotado pelo INSS na via administrativa, conforme artigo 690
da Instrução Normativa 77/2015, o que, na prática, possibilita a consideração
de contribuições vertidas no curso da ação, o tempo de serviço especial que
perpassa a DER, enfim, questões que influenciam no reconhecimento do benefício
postulado.
Assim, por exemplo, a juntada de formulário
PPP atualizado comprova não apenas a continuidade do vínculo empregatício, mas
o exercício das mesmas atividades e exposição aos mesmos agentes nocivos, assim
como a prova pericial realizada no curso da ação (in loco ou estabelecimento
similar). Apesar de o documento representar algo novo, ele é composto pela
massa de fatos sobre o qual se estabeleceu o contraditório ao longo de todo o
processo, sendo possível, por isso, uma constante (re)validação desse tempo. É
possível uma simples atualização dos fatos sempre existentes, para efeitos de
aproveitamento do tempo de serviço especial desempenhado no curso do processo.
De registrar que a reafirmação de DER passou a
ser admitida pela 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, vale
destacar: até a data do julgamento da apelação ou da remessa necessária no
segundo grau de jurisdição, após sinalização positiva do Superior Tribunal de
Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA
ESPECIAL. FATO SUPERVENIENTE. ART. 462 DO CPC/1973. REAFIRMAÇÃO DA DER.
POSSIBILIDADE. 1. Hipótese em que o Tribunal de origem consignou que ‘para a
reafirmação da DER, somente é possível o cômputo de tempo de contribuição,
especial ou comum, até a data do ajuizamento da ação.’ 2. O STJ firmou
orientação de que ‘o fato superveniente contido no artigo 462 do CPC deve ser
considerado no momento do julgamento a fim de evitar decisões contraditórias e
prestigiar os princípios da economia processual e da segurança jurídica’ (EDcl
no AgRg nos EDcl no REsp 621.179/SP, Terceira Turma, Relator Ministro Ricardo
Villas BôasCueva, DJe 5/2/2015). 3. Especificamente no que se refere ao cômputo
de tempo de contribuição no curso da demanda, a Primeira Turma do STJ, ao
apreciar situação semelhante à hipótese dos autos, concluiu ser possível a
consideração de contribuições posteriores ao requerimento administrativo e ao
ajuizamento da ação, reafirmando a DER para a data de implemento das
contribuições necessárias à concessão do benefício. No mesmo sentido: REsp
1.640.903/PR, de relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 15.2.2017.
4. Recurso Especial provido para determinar o retorno dos autos à origem para
que sejam contabilizadas as contribuições realizadas até o momento da entrega
da prestação jurisdicional. (REsp 1640310/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA
TURMA, julgado em 07/03/2017, DJe 27/04/2017)
Até então, a reafirmação da DER só era
possível até a data do ajuizamento da ação pelo segurado. Nessa perspectiva, o
estranhamento fica por conta das questões capazes de aditar ou alterar o pedido
ou a causa de pedir. No julgamento do REsp 1420700/RS, o Ministro Mauro
Campbell Marques entendeu que o fato superveniente deve guardar pertinência com
a causa de pedir e pedido inicial[3].
Tanto as contribuições vertidas após o
ajuizamento da ação, para efeitos de carência ou tempo de serviço comum, como o
tempo de serviço especial desempenhado no curso do processo guardam pertinência
com a causa de pedir e o pedido inicial (com o bem da vida), ressalvada a
questão dos efeitos financeiros. Nesses casos, não é dado ao INSS alegar que
não há comprovação da continuidade do trabalho insalubre. Nesse sentido, vale
conferir a decisão proferida no julgamento do recurso inominado
2008.72.54.000875-2, pela Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de
Santa Catarina: “Saliento que não é dado ao INSS alegar que não há comprovação
da continuidade do vínculo do recorrente, uma vez que o PPP por ele juntado com
as razões de recurso resta devidamente atualizado”.
Além do mais, à Autarquia cabe a fiscalização
dos formulários produzidos/fornecidos pelas empresas ao segurado. Interpretação
contrária beneficiaria a torpeza do INSS. Sobre o ponto, a juíza Flávia Heine
Peixoto, admitindo período de trabalho ocorrido após o provimento da sentença,
foi categórica: “Insta salientar que nenhum prejuízo haverá para o
contraditório com admissão dessas novas informações, eis que são admitidas em
favor do autor e não são desconhecidas da ré, que administra o supramencionado
banco de dados”[4].
Nesse sentido, fica fácil aceitar o superveniente
preenchimento dos requisitos ensejadores de um benefício contemplado pela
legislação na Data de Entrada do Requerimento (DER), por exemplo.[5] De modo
geral, o pedido da parte é congruente ao direito material (ao verbo que a
traduz) e à vontade manifestada. Importante lembrar que, na via administrativa,
o INSS deve, durante a análise para concessão do benefício, verificar qual o
benefício com Renda Mensal Inicial (RMI) mais vantajosa. Aqui se poderia citar,
apenas de passagem, os artigos 204, 659, VI, e 690, da IN/INSS 77/2015.
Segundo Daniela Boito Maurmann Hidalgo[6]:
Trazer o mundo prático ao
processo significa vincular o juiz à realização do direito material e, se
restar evidenciado que o interesse da parte, ainda que seu pedido não esteja
corretamente deduzido, é realizar a ação de direito material, de modo a obter a
realização de seu direito no caso concreto, não estará o juiz autorizado a deferir-lhe
menos do que isso.
Estas observações poderiam ajudar a afastar
uma suspeita estimulada pela discussão que até aqui desenvolvemos, no entanto,
ela divide ainda mais nossas opiniões. Ainda é forte o entendimento de que o
acolhimento de fato novo somente é admissível quando não altera a causa de
pedir e o pedido, o que pode mudar a partir do novo CPC, ou melhor, do que for
compreendido sobre o novo regime de formação dinâmica da coisa julgada.
Correndo-se o risco de exagerar na
simplificação, mas dentro do processo, a mudança de fatos nem sempre acarreta
uma mudança da causa de pedir.[7]. Em poucas palavras, dentro do processo é
possível a ampliação da causa de pedir. O objeto da decisão é sempre maior que
o objeto do processo (como sinônimo de pretensão processual), sendo que o novo
regime de formação dinâmica da coisa julgada resolve o problema, alcançando (a
coisa julgada) também aquelas questões prejudiciais levantadas ao longo do
processo, enfim, todo o objeto do debate via contraditório. Se eu posso ampliar
a causa de pedir, isso resolve o problema da reafirmação da DER, ou melhor, de
quem entende que os fatos supervenientes devem guardar pertinência com a causa
de pedir.
A questão que (sempre) se coloca é: seria
razoável admitir a necessidade de o segurado ajuizar uma nova ação
previdenciária para ver reconhecida a especialidade de um período sobre o qual
o juiz tem, ainda no processo em curso, condições de exercer seu juízo de
certeza? E mais: é razoável premiar o INSS com eventual subtração dos valores
devidos desde o implemento dos requisitos ensejadores do benefício
previdenciário?
Como já vi dizer Wilson Engelmann: "O
Direito Processual precisa ganhar o mundo onde os fatos acontecem e esperam uma
solução razoável."
Escrito por
Diego Henrique Schuster
___________________________________________
Bah1: SAVARIS, José Antônio. Direto processual previdenciário. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 229.
Bah2: Não estamos mais na via administrativa, sem ampla oportunidade de alegação e produção de provas, mas, e isso sim, num processo judicial/constitucional.
Bah3: Para o Ministro: “considerar as contribuições previdenciárias vertidas após o ajuizamento da ação implicaria em alteração da causa de pedir”. Tal entendimento, contudo, encontra-se superado.
Bah4: Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro (3ª Turma). Recurso inominado nº 0002485-58.2008.4.02.5154/01.
Bah5: Nesse sentido: PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. IMPLEMENTAÇÃO DA CARÊNCIA APÓS O AJUIZAMENTO DA AÇÃO. FATO SUPERVENIENTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado de que não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando a inobservância dos pressupostos para concessão do benefício pleiteado na inicial, concede benefício diverso por entender preenchidos seus requisitos. 2. O art. 687 e 690 da Instrução Normativa INSS/PRES 77, de 21 de janeiro de 2015, que repete as já consagradas proteções ao segurado dispostas em Instruções Normativas anteriores, dispõe que, se o postulante de uma prestação previdenciária preenche os requisitos legais somente após o pedido, o ente autárquico reconhece esse fato superveniente para fins de concessão do benefício, fixando a DIB para o momento do adimplemento dos requisitos legais. 3. Essa mesma medida deve ser adotada no âmbito do processo judicial, nos termos do art. 462 do CPC, segundo o qual a constatação de fato superveniente que possa influir na solução do litígio deve ser considerada pelo Tribunal competente para o julgamento, sendo certo que a regra processual não se limita ao Juízo de primeiro grau, porquanto a tutela jurisdicional, em qualquer grau de jurisdição, deve solucionar a lide na forma como se apresenta no momento do julgamento. 4. As razões dessa proteção se devem ao fato de que os segurados não têm conhecimento do complexo normativo previdenciário, sendo certo que a contagem do tempo de serviço demanda cálculo de difícil compreensão até mesmo para os operadores da área. Além disso, não é razoável impor aos segurados, normalmente em idade avançada, que intentem novo pedido administrativo ou judicial, máxime quando o seu direito já foi adquirido e incorporado ao seu patrimônio jurídico. 5. Diante dessas disposições normativas e dos princípios da economia e da celeridade processual, bem como do caráter social das normas que regulamentam os benefícios previdenciários, não há óbice ao deferimento do benefício, mesmo que preenchidos os requisitos após o ajuizamento da ação. 6. Recurso Especial provido para julgar procedente o pedido de concessão de aposentadoria a partir de agosto de 2006. (REsp 1296267/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/12/2015, DJe 11/12/2015).
Bah6: HIDALGO, Daniela Boito Maurmann. Relação entre direito material e processo: uma compreensão hermenêutica: compreensão e reflexos da afirmação da ação de direito material. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 234.
Bah7: SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil: Processo cautelar (tutela de urgência). Rio de Janeiro: Forense, 2007, v. 2, p. 491.
Bah1: SAVARIS, José Antônio. Direto processual previdenciário. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 229.
Bah2: Não estamos mais na via administrativa, sem ampla oportunidade de alegação e produção de provas, mas, e isso sim, num processo judicial/constitucional.
Bah3: Para o Ministro: “considerar as contribuições previdenciárias vertidas após o ajuizamento da ação implicaria em alteração da causa de pedir”. Tal entendimento, contudo, encontra-se superado.
Bah4: Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro (3ª Turma). Recurso inominado nº 0002485-58.2008.4.02.5154/01.
Bah5: Nesse sentido: PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. IMPLEMENTAÇÃO DA CARÊNCIA APÓS O AJUIZAMENTO DA AÇÃO. FATO SUPERVENIENTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado de que não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando a inobservância dos pressupostos para concessão do benefício pleiteado na inicial, concede benefício diverso por entender preenchidos seus requisitos. 2. O art. 687 e 690 da Instrução Normativa INSS/PRES 77, de 21 de janeiro de 2015, que repete as já consagradas proteções ao segurado dispostas em Instruções Normativas anteriores, dispõe que, se o postulante de uma prestação previdenciária preenche os requisitos legais somente após o pedido, o ente autárquico reconhece esse fato superveniente para fins de concessão do benefício, fixando a DIB para o momento do adimplemento dos requisitos legais. 3. Essa mesma medida deve ser adotada no âmbito do processo judicial, nos termos do art. 462 do CPC, segundo o qual a constatação de fato superveniente que possa influir na solução do litígio deve ser considerada pelo Tribunal competente para o julgamento, sendo certo que a regra processual não se limita ao Juízo de primeiro grau, porquanto a tutela jurisdicional, em qualquer grau de jurisdição, deve solucionar a lide na forma como se apresenta no momento do julgamento. 4. As razões dessa proteção se devem ao fato de que os segurados não têm conhecimento do complexo normativo previdenciário, sendo certo que a contagem do tempo de serviço demanda cálculo de difícil compreensão até mesmo para os operadores da área. Além disso, não é razoável impor aos segurados, normalmente em idade avançada, que intentem novo pedido administrativo ou judicial, máxime quando o seu direito já foi adquirido e incorporado ao seu patrimônio jurídico. 5. Diante dessas disposições normativas e dos princípios da economia e da celeridade processual, bem como do caráter social das normas que regulamentam os benefícios previdenciários, não há óbice ao deferimento do benefício, mesmo que preenchidos os requisitos após o ajuizamento da ação. 6. Recurso Especial provido para julgar procedente o pedido de concessão de aposentadoria a partir de agosto de 2006. (REsp 1296267/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/12/2015, DJe 11/12/2015).
Bah6: HIDALGO, Daniela Boito Maurmann. Relação entre direito material e processo: uma compreensão hermenêutica: compreensão e reflexos da afirmação da ação de direito material. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 234.
Bah7: SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil: Processo cautelar (tutela de urgência). Rio de Janeiro: Forense, 2007, v. 2, p. 491.
Se a reafirmação da der já está pacificada, não entendo uma coisa por quê tem juiz de primeira instância que não concede esse período? Fazendo o segurado sofrer mais espera com recurso.
ResponderExcluir