UMA ÚLTIMA CONSIDERAÇÃO SOBRE A “NOVA PREVIDÊNCIA”: ANTES DO RECESSO PARLAMENTAR (SE EU ME AGUENTAR)



Deve ter ficado claro (com tudo aquilo que já se disse aqui) que, sem desconsiderar a preocupação com a necessidade de um ajuste fiscal e a importância do crescimento econômico, precisamos enxergar muito além disso.[1]
Além do mais, acabar com direitos sociais não estimula o crescimento econômico, digo, um ajuste fiscal pode criar um clima econômico mais propício para investimentos. Agora, não se pode cair na ilusão de pensar que isso irá gerar empregos e, com muito mais razão, para pessoas com idade acima de 60 anos. Por outro lado, há um aspecto que tem um interesse muito imediato para a economia e para a compreensão dos efeitos da reforma sobre esta, qual seja, os benefícios previdenciários injetam milhões na economia dos municípios, fazendo o dinheiro circular no comércio, por exemplo. Dos 5.568 municípios em 3.875 deles (70%) o valor dos repasses aos aposentados e demais beneficiários da Previdência supera o repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Em 4.589 municípios (82%) os pagamentos aos beneficiários do INSS superam a arrecadação municipal.[2]
Outra coisa, o benefício previdenciário não tem como finalidade (só) compensar a perda de renda dos desempregados. Como afirma Amartya Sen, “o desemprego não é meramente uma deficiência de renda que pode ser compensada por transferências do Estado”. Embora esta possa não ser uma boa ocasião para enveredarmos pelas questões complexas, mas ao passo que o desemprego contribui para a “exclusão social” de alguns grupos e acarreta a perda de autonomia, de autoconfiança e de saúde física e psicológica, algumas atividades, desempenhadas por mais de 25 anos (ou bem menos), também geram efeitos nefastos à saúde física e psicológica e, por isso, é necessário justificar a possibilidade de uma aposentadoria antes do tempo “normal” (da velhice).
A qualidade de vida não depende apenas da aposentadoria. Não se passa a vida lutando apenas para se aposentar. No entanto, para pessoas imensamente desfavorecidas, carentes de oportunidades básicas de acesso a serviços de saúde, educação e remuneração adequada, o benefício previdenciário se apresenta como garantia de segurança econômica e social, e não para se recolherem aos aposentos. A aposentadoria por tempo de contribuição, independentemente de idade, constitui uma das poucas oportunidades de quem trabalha muito e ganha pouco acessar antes daqueles que trabalham pouco e ganham muito, pelo seu reconhecido trabalho. O benefício de aposentadoria, nesse caso, fornece condições materiais para o sujeito cuidar de si mesmo e de sua família.
Existem boas razões para se apostar num incremento das desigualdades sociais e pobreza no Brasil, mormente à luz de informações demográficas, médicas e sociais. A idade mínima de 62 (M) e 65 (H) anos, a redução do valor dos benefícios e o fim da aposentadoria especial são mudanças que atingirão de forma desproporcional, regiões, estados e pessoas. A PEC 06/2019 visa atender aos interesses de um público-alvo, e não combater privilégios, disso nós já sabemos.
Não há como se desconsiderar as oportunidades reais que as pessoas têm. Queremos todos viver bastante e levar uma via boa enquanto ela durar. Ações que confirmem essa intenção precisam ser implementadas, seja a médio ou longo prazo – elas não dependem do dinheiro “poupado” com benefícios previdenciários. Acabar com direitos sociais – que influenciam na construção de um espaço de bem-estar digno no mundo inteiro – não se encaixa nessa descrição. Diante desse quadro, não posso colocar a reforma da previdência social, que será às custas de quem mais precisa, sobre às circunstâncias pessoais e sociais, ou seja, como condição para melhorar, exatamente, a vida dos mais desfavorecidos.

Escrito por Diego Henrique Schuster 

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Bah1: Para Amartya Sen: “Pela mesma razão, o crescimento econômico não pode sensatamente ser considerado um fim em si mesmo. O desenvolvimento tem de estar relacionado sobretudo com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos.” SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 29.
Bah2: Impacto da Reforma na economia dos municípios (dez/2014). Dados retirados do material utilizado pelo advogado Anderson de Tomasi Ribeiro, na sua luta em defesa dos direitos sociais.

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