A atividade especial do pedreiro na súmula 71/TNU: existe prova, e não verdade
Quando o assunto é caracterização e comprovação da atividade
especial, a tese deve oferecer a mínima possibilidade de universalização, mas
permitir que o julgador interprete o seu texto a partir do caso concreto. Com
efeito, a investigação é necessária, ou seja, é preciso verificar a real
situação e condições de labor.
Na proposição “O mero contato do pedreiro com o
cimento não caracteriza condição especial de trabalho para fins
previdenciários” (Súmula 71/TNU), o adjetivo “mero” (simples) exclui o agente
cimento como fundamento para a caracterização da atividade especial do
pedreiro, não importando o grau de contato.
O problema é que essa conclusão já parte de uma
premissa equivocada, qual seja, exige-se correspondência entre a atividade
desempenhada e aquela prevista na norma, vale dizer: a manipulação do cimento
no exercício da atividade de pedreiro não é insalubre porque o Anexo 13 da NR
15 do MTE contempla apenas a fabricação e transporte de cal e cimento. Por
outras palavras, insalubre é transportar o cimento, e não manipular o produto.
Com a coragem que a distância dá!
É de se ver que a resposta vem antes da
pergunta (a priori). Acontece que não é possível se aceitar tal conclusão sem
se contradizer, digo, quando o que importa é saber se o contato com cimento é,
ou não, prejudicial à saúde – a partir da situação concreta (a posteriori).
Abre-se um parêntese para destacar a diferença entre a priori e a posteriori:
Algo é conhecível a priori se pode ser
conhecido sem referência à experiência – ou seja, sem qualquer investigação
empírica de como as coisas são e estão realmente no mundo ; “2 + 2 = 4 é
conhecido a priori – você não precisa sair andando pelo mundo para constatar
essa verdade. Por contraste, se tal investigação é necessária, algo é conhecível
apenas a posteriori: logo, se for verdade que “o carvão é preto”, essa é uma
verdade a posteriori – para ter certeza disso, você precisa ver um pedaço de
carvão.[1]
No caso do enunciado “O mero contato do
pedreiro com o cimento não caracteriza condição especial de trabalho para fins
previdenciários”, a resposta vem antes de pergunta (a priori), na medida em que
a conclusão não vai além de suas premissas, num silogismo (im)perfeito: Apenas
as atividades envolvendo a fabricação e transporte de cal e cimento são
insalubres; o pedreiro não participa das fases de fabricação ou transporte de
cal e cimento; logo, a atividade de pedreiro não é insalubre. Se as premissas
de um argumento não são verdadeiras, a conclusão não tem garantia de ser
verdadeira.
O enunciado não é verdadeiro em quaisquer
circunstâncias, nem em todos os sistemas de justiça. Ele poderia ser verdadeiro
se o rol de atividades e agentes nocivos fosse taxativo, por exemplo. No
entanto, o que realmente importa é a prova do exercício de atividades sob
condições especiais que prejudiquem a saúde e/ou a integridade física
(referencial constitucional). Não se trata de uma questão lógica, pois a
afirmação pode ser ou não verdadeira, dependendo da duração da exposição ou dos
equipamentos de proteção utilizados pelo trabalhador. A condição especial do
trabalho é, portanto, conhecida a posteriori.
No Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
exemplo, decretos previdenciários são tratados como ponto de partida (ou
retorno), e jamais chegada, logo, as perguntas sobre a caracterização e
comprovação da atividade são propostas a partir do caso concreto, com a
problematização da Súmula 198 do ex-TRF, que nada mais é - e por isso muito -
do que uma interpretação hermeneuticamente adequada do referencial constitucional
(art. 201, § 1º) - reafirmado pela Lei de Benefícios (art. 57).
Na prática, portanto, as coisas não são tão
simples como parecem, digo, tudo vem misturado. O slogan coerentista é: “Todo
argumento precisa de premissas, mas não há nada que seja a premissa de todo
argumento”. Neste nível, fica fácil perceber que a Súmula 71 da TNU não pode
ser tratada como uma norma justa, pronta e acabada,[2] no sentido de
inviabilizar a comprovação da especialidade da atividade do pedreiro. Na
verdade, ela precisa ser revogada, a fim de evitar a coexistência de duas
justiças diferentes e opostas.[3]
Escrito por Diego Henrique Schuster
_____________________________Bah1: DUPRÉ, Ben. 50 ideias de filosofia que você precisa conhecer. Tradução: Rosemarie Ziegelmaier. 1. ed. São Paulo: Planeta, 2015. p. 24.
Bah2: CF: STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente e as súmulas vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
Bah3: Sobre isso escrevi o artigo “Direito previdenciário do inimigo: um discurso sobre um direito de exceção”, no qual comparo as características do Direito Penal do inimigo, cujos discursos legitimadores edificam um Estado de exceção (não Direito), e as orientações seguidas no âmbito dos Juizados Especiais Federais, em matéria previdenciária.
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