REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL E IDADE MÍNIMA: SINCERO COMO (NÃO) SE PODE SER?




                Precisamos ser honestos. Não há como fugir de uma idade mínima, ou melhor, é importante uma idade mínima. Essa é uma tendência mundial e realidade nos países da América Latina.[1] Tomamos como exemplo:

 


No entanto, é preciso entender que o Brasil é um país continental[2], razão pela qual uma idade mínima de 62 (m) e 65 (h) atingirá, de forma desproporcional, regiões, estados e pessoas. Fazendo uma média dos 14 Estados com menor esperança de vida ao nascer, chegamos a 72,5 anos - acima apenas da Bolívia. Nesses, a média dos homens é de 69,0 anos de idade. A esperança de vida ao nascer de um homem é de 76,1 anos no Estado de Santa Catarina, o que é superior a dos piauienses (67,1 anos). Por outro lado, uma recém-nascida em Santa Cataria espera viver 82,7; já no estado de Roraima, 74,6. (Gráficos 4, 5 e 6 da Tábua do IBGE/2017).
Não há, contudo, como estabelecer uma idade mínima para cada região, estado ou pessoa (personalizada). O discrímen para desigualar precisa ser outro. Como a nossa preocupação é – e sempre foi – com quem começa a trabalhar cedo e em condições insalubres, penosas ou perigosas, algumas regras já adotadas na legislação brasileira podem servir de sugestão.
A EC 47/2005, no ser art. 3º, exige uma idade mínima de 55, se mulher, e 60, se homem, cumulado com 30 e 35 anos de tempo contribuição, respectivamente. O que tem um interesse imediato para nós é a regra que prevê a redução de 01 ano de idade para cada ano de contribuição que supere o legal. Na mesma linha, a regra por pontos, com a soma de idade + tempo. No exemplo 86/96 pontos: uma mulher terá que contribuir, no mínimo, com 30 anos e contar com 56 anos de idade (30 + 56 = 86), enquanto o homem, no mínimo, 35 anos de contribuição e 61 anos de idade.
Outra discriminação jurídica positiva se dá em razão da exposição a agentes efetivamente nocivos, afinal, os riscos a que estão submetidos os trabalhadores da construção civil e altos empregados (diretores) que exercem sua função num escritório, por exemplo. Nesse sentido, é necessária a manutenção da aposentadoria especial, com a possibilidade de conversão do tempo de serviço especial em comum. A aposentadoria especial, na tradição brasileira, surgiu como uma alternativa diante da opção do legislador de compensar o desgaste dos trabalhadores com adicionais de insalubridade ou periculosidade, colocando a redução dos riscos no meio ambiente do trabalho em segundo plano, numa relação de custo-benefício.
Deve ter ficado claro, o que se pretende demonstrar (sempre correndo o risco de simplificar demais) é que a idade mínima prevista na PEC 06/2019 constitui uma mudança por demais dramática, e que, somado ao fim da aposentadoria especial e da conversão do tempo de serviço especial em comum, além da redução do valor dos benefícios previdenciários, precisa vir acompanhada (ou antecedida) de outras tantas como, por exemplo, o aperfeiçoamento dos serviços de saúde, educação escolar (incluindo a financeira e previdenciária), emprego com remuneração adequada, redução dos riscos no meio ambiente do trabalho, políticas de inclusão da pessoa idosa, enfim, tudo aquilo que está fora do radar neste momento. É preciso enfrentar as causas dos contrastes supramencionados, sendo que há poucos indícios de que a reforma da previdência auxilie nesse aspecto.
Portanto, não há como trabalhar com fragmentos de um mesmo problema, como se fosse possível começar de traz pra frente, considerando que, em última análise, os benefícios previdenciários compensam (em parte) a perda de renda dos desempregados e fornecem condições para o sujeito cuidar de si e de sua família. A importância dos benefícios é instrumental e depende das circunstâncias.

Escrito por Diego Henrique Schuster
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Bah1: Os únicos países que não têm idade mínima são Arábia Saudita, Argélia, Bahrein, Egito, Equador, Hungria, Lêmen, Irã, Iraque, Luxemburgo, Sérvia e Síria.
Bah2: "O Brasil é o maior país sul-americano e o quinto maior do planeta, com extensão territorial de 8.514.876 quilômetros quadrados, o que corresponde a 48% da área total da América do Sul." Ainda: " Vários países da América do Sul são menores e menos populosos que alguns estados brasileiros. O estado do Amazonas, por exemplo, só é menor que a Argentina; e a população do estado de São Paulo (41,2 milhões de habitantes) só é menor que a da Colômbia (46,3 milhões)." Disponível em: <https://escolakids.uol.com.br/g…/brasil-e-america-do-sul.htm>. Acesso em: 18 jul. 2019.

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