REEXAME (DES)NECESSÁRIO E AS SENTENÇAS PREVIDENCIÁRIAS MANIFESTAMENTE (I)LÍQUIDAS



Quando julgada parcialmente procedente a ação em que a parte autora pleiteia a concessão de aposentadoria especial, por exemplo, a sentença costuma afastar, de ofício, a remessa necessária, tendo em vista que o montante da condenação não alcança o teto previdenciário – não na data da sentença. Nesse sentido, aliás, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região possui a seguinte – e atualizada – orientação:
[...]
Embora ainda não tenha sido calculado o valor da renda mensal inicial - RMI do benefício, é possível estimar, a partir da remuneração que vinha sendo auferida pela parte, registrada nos autos, que o valor do benefício resultante, multiplicado pelo número de meses correspondentes à condenação, entre a DER e a sentença, resultará em valor manifestamente inferior ao limite legal para o reexame obrigatório.
Impõe-se, para tal efeito, aferir o montante da condenação na data em que proferida a sentença. Valores sujeitos a vencimento futuro não podem ser considerados, pois não é possível estimar por quanto tempo o benefício será mantido. Não se confundem valor da condenação e valor da causa. Se é a sentença que está ou não sujeita a reexame, é no momento de sua prolação que o valor da condenação, para tal finalidade, deve ser estimado.
Assim, sendo a condenação do INSS fixada em valor manifestamente inferior a mil salários mínimos, a sentença não está sujeita ao reexame obrigatório, de forma que a remessa não deve ser conhecida nesta Corte.[1]
            O valor da causa é, pois, apenas um dos parâmetros utilizados pela lei para restringir o reexame necessário, sendo que ele não pode ir além das parcelas vencidas ou das doze prestações da futura aposentadoria.
Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça vem dando provimento aos recursos do INSS, para anular o acórdão recorrido, reconhecer o cabimento da remessa necessária e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem a fim de que prossiga no julgamento como entender de direito.Tudo isso com fundamento no REsp 1.101.727/PR e Súmula 490 do STJ.
Nem a orientação da Corte Especial do STJ, no sentido de ser obrigatório o reexame da sentença ilíquida proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público (REsp 1.101.727/PR, Rel. MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO, Corte Especial, DJe 03/12/2009), tampouco a Súmula 490 do STJ (“a dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas”), fala em sentença líquidas.
É preciso, portanto, estudar esse precedente, buscando compreender de que forma o STJ chegou a esse entendimento, ou seja, como a matéria foi problematizada.
Na época, a insurgência especial estava fundada na violação do artigo 475, parágrafo 2º do Código de Processo Civil. Apesar das Turmas da Terceira Seção compreenderem que a expressão “valor certo” – contida no referido dispositivo – deveria ser aferida quando da prolação da sentença, devendo-se utilizar, no caso de sentença ilíquida, o valor da causa, devidamente atualizado, como parâmetro limitador do reexame necessário, o que prevaleceu foi o seguinte:
Ocorre, contudo, que esta Corte Especial, por ocasião do julgamento dos Embargos de Divergência nº 934.642/PR, em sessão realizada em 30 de junho de 2009, em acórdão ainda pendente de publicação, seguindo a linha do voto do eminente Ministro Relator Ari Pargendler, entendeu, em última análise, que o cabimento do reexame obrigatório é regra, admitindo-se a sua dispensa especialmente, apenas nos casos em que o valor da condenação é certo e não excede a sessenta salários mínimos, razão pela qual acolho a insurgência especial da autarquia previdenciária para declarar o cabimento do reexame obrigatório em casos tais como o dos autos, em que a sentença condenatória é ilíquida, ressalvando o meu entendimento pessoal.
Fácil, em se tratando de prestação continuada, o valor da condenação é sempre fixado por estimativa, sendo certo que, nestas hipóteses, vigora o princípio in dubio profiscum. Isso está estampado na emenda que fundamentou a divergência suscitada pelo INSS (REsp nº 651.929, PR), bem assim converge com suas razões:
[...] pretender remeter a causa à revisão obrigatória do tribunal toda vez que o valor seja ilíquido implica dizer que toda ação onde se discutir benefícios previdenciários de valores módicos, mas periódicos e ilimitados, deverá ser submetida a esse desgastante procedimento.
Essa constitui, a meu ver, a ratio decidendi.
Com efeito, ignorou-se que a limitação da remessa necessária aos casos de condenação superior a 60 (sessenta) salários mínimos visava, exatamente, dar às causas de menor valor que tramitam na justiça comum o mesmo tratamento conferido àquelas dos juizados especiais federais (Lei 10.259/01, art. 13). No âmbito dos Juizados Especiais Federais, foi expressamente excluída a remessa necessária (art. 13 da Lei 10.259, de 12.07.2001).[1]
De qualquer maneira, aqui se precisa identificar algum fato diferente não presente quando prolatada a decisão, a exigir a formação de uma solução diferente, como as alterações trazidas pelo novel diploma de processo civil. A atualização dos valores, de 60 para 1000 salários mínimos (art. 496, § 3º, I), parece acrescentar algo de novo no sentido de aproximar a mera estimativa – como valor aproximado– daquilo que pode ser denominado como “manifestamente inferior a mil salários mínimos”. Afinal, estamos falando de um valor de quase um milhão de reais, o que, para quem receber um benefício com RMI de um salário mínimo, levará quase 76 anos para receber, tempo esse que desafia a capacidade humana das pessoas de preencherem os requisitos ensejadores do benefício e, ainda, gozar dele por tanto tempo. Aqui se pode ter certeza que o INSS não despenderá tal quantia.
Analisando a parte pelo todo e todo pela parte do precedente, para além de um exercício dedutivo, identifica-se, invariavelmente, a referência aos fins objetivados pelo legislador, quais sejam: “manter o resguardo do patrimônio público, mormente quando há valores vultosos em discussão, e, ao mesmo tempo, restringir o alcance do reexame necessário, dispensando-o quando o exíguo valor da causa não justifica a utilização da máquina judiciária para dilação do prazo para solução do conflito”. Nesse ponto, a mudança no regime processual confirma os objetivos do legislador, na contramão de quem pretende remeter ao reexame necessário toda ação onde se discute benefícios previdenciários de valores módicos.
Em resumo, o novo CPC manteve os mesmos critérios objetivos, sentenças ilíquidas ou um valor inferior a “x” salários mínimos. Com efeito, o precedente do Superior Tribunal de Justiça precisa ser revisado, com fundamento na mudança no segundo, bem assim o propósito da alteração (conferir celeridade e efetividade processual), sob pena de um verdadeiro sequestro da temporalidade e da realidade. Não há mais como exigir o reexame necessário sob o pretexto de que os benefícios são periódicos e ilimitados, quando sequer o benefício é concedido.
Para José Antônio Savaris, não se pode levar a forma as últimas consequências e contrariar a finalidade do novo CPC:
Em nosso modo de ver, desde uma perspectiva sistemática e teleológica, deve ser revisto o entendimento do STJ quanto à necessidade de remessa necessária quando a sentença for ilíquida. Se de antemão é possível identificar que a condenação não superará o elevado patamar de 1.000 (mil) salários mínimos, somente um exagerado apego à forma, contrário ao espírito da nova legislação, justificaria a compreensão de que a sentença, nessas condições, se sujeita à remessa necessária. Com efeito, de acordo com o Novo CPC, invertendo-se a lógica, a remessa necessária passou a ser a exceção.
Com efeito, sendo possível a projeção de que o valor máximo a ser executado não ultrapassará o patamar de 1.000 (mil) salários mínimos, torna-se devido o juízo de não conhecimento da remessa necessária.[2]
A sentença pode até ser ilíquida, às vezes, mas o valor é manifestamente inferior a mil salários mínimos. Somente os vampiros vivem para sempre!

Escrito por Diego Henrique Schuster
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Bah1: O que já se viu também: “1. Não é razoável ignorar que, em matéria previdenciária, o art. 29, § 2º, da Lei nº 8.213/91 dispõe que o valor do salário de benefício mínimo não será inferior ao de um salário mínimo, nem superior ao limite máximo do salário de contribuição na data de início do benefício, e que a Portaria Interministerial nº 01, de 08/01/2016, dos Ministérios da Previdência Social e da Fazenda, estabelece que, a partir de 01/01/2016, o valor máximo do teto dos salários de benefício pagos pelo INSS é de R$ 5.189,82 (cinco mil cento e oitenta reais e oitenta e dois centavos), sendo forçoso reconhecer que, mesmo na hipótese em que a RMI dos benefícios deferidos à parte autora seja fixada no teto máximo, e as parcelas em atraso pagas, como regra, nos últimos 5 anos (art. 103, parágrafo único, da lei nº 8.213/91), o valor da condenação, ainda que acrescida de correção monetária e juros de mora, dificilmente excederá à quantia de 1.000(mil) salários mínimos, montante exigível para a admissibilidade do reexame necessário. 2. Considerando tal critério, é possível concluir com segurança que, embora não conste das sentenças em matéria previdenciária o cálculo do quantum debeatur, este não atingirá, na quase totalidade dos processos, o patamar estabelecido de mil salários mínimos (art. 496, § 3º, I, do NCPC).” REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL Nº 0003228-19.2014.4.04.9999/RS.
Bah2 e 3: SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 7. ed. Curitiba: Alteridade, 2018.

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