“DADA A DIVERSIDADES DAS ATIVIDADES”: O “LIVRE CONVENCIMENTO” OU “LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA” É UMA FATALIDADE
Depois que o
julgador decide negar ou manter a decisão, a fundamentação é só um detalhe. É
como diz Lenio Streck: “[...] o livre convencimento é impossível de ser
demonstrado”. Mas dizer que “o juiz primeiro decide e depois busca o
fundamento” não é uma “falácia naturalista”?[1]
Assim, por exemplo, mesmo com o formulário PPP
comprovando a exposição do segurado, na função de chapeador, a ruído de 86,9
decibéis, radiação não ionizante, poeira respirável, nafta, tolueno e xileno, o
julgador foi capaz de dizer que: “dadas as diversas atividades desempenhadas
pela parte autora (‘conserto, preparação e pintura à pistola, de carrocerias e
latarias de veículos e carretas’), a exposição não se dava de modo habitual e
permanente”.
Note-se bem – bem mesmo – que as atividades
são inerentes a mesma função (chapeador), e foram exercidas dentro do mesmo
setor, com exposição a substâncias cancerígenas que entram em contato com o
trabalhador não apenas pela pele, mas também pelas vias respiratória e trato
digestivo.
Quem assiste ao “MasterChef” logo percebe a
existência de uma linguagem comum – construída na intersubjetividade – entre os
jurados, com especial atenção para o ponto das carnes. O que acontece quando um
dos participantes, mesmo alertado sobre os cuidados com o fígado - um alimento
muito nutritivo, diga-se de passagem -, decide que vai servi-lo malpassado, sob
o fundamento de que é assim que ele gosta e todos comem em sua casa? Ele é
eliminado!
E por que isso não acontece no Direito, digo,
por que (alg)uns juízes (ainda) acham que são livres para ignorar a prova e
presumir que a exposição não se dava de modo habitual e permanente? Onde está a
linguagem pública ligada a uma ideia de responsabilidade institucional?
É importante observar que a função não
é determinante para se dizer se o autor estava, ou não, exposto a agentes
nocivos, mas, e isso sim, as atividades efetivamente exercidas e, sobretudo, o local onde são realizadas (meio ambiente do trabalho). Tanto é assim que o art. 290 da IN 77/15 esclarece: “O exercício de
funções de chefe, gerente, supervisor ou outra atividade equivalente e
servente, desde que observada à exposição a agentes nocivos químicos, físicos,
biológicos ou associação de agentes, não impede o reconhecimento de
enquadramento do tempo de serviço exercido em condições especiais”.
Dito em outras palavras, o que importa é a
efetiva exposição do segurado a agentes nocivos ou a presença de agentes
nocivos no meio ambiente de trabalho como, por exemplo, substâncias reconhecidamente cancerígenas, nos termos do § 4º, do art. 68, do RPS. É
por isso que, igualmente, não se pode exigir correspondência entre a atividade
desempenhada e aquela prevista na norma, mas a exposição ao agente agressivo
presente no produto manuseado pelo trabalhador.
Ainda, “não se reclama exposição às condições
insalubres durante todos os momentos da prática laboral, visto que
habitualidade e permanência hábeis para os fins visados pela norma - que é
protetiva - devem ser analisadas à luz do serviço cometido ao trabalhador, cujo
desempenho, não descontínuo ou eventual, exponha sua saúde à prejudicialidade
das condições físicas, químicas, biológicas ou associadas que degradam o meio
ambiente do trabalho”. (STJ. Resp. 1.645.025. Rel. Min. Napoleão Nunes Maia. DJ
01/02/2017).
A indicação de
agentes nocivos no formulário para requerimento
da aposentadoria especial não apenas contraria a tendência e insistência de
muitas empresas em disponibilizar as melhores informações sobre o meio ambiente
de trabalho, esse documento traz consigo a presunção de que a exposição ao
agente indicado se dava de modo habitual e permanente.
Por fim, o art. 371 do CPC/2015, ao reafirmar
o art. 131 do CPC/73, dispensou a expressão “livremente”, ou seja, o juiz não
pode mais apreciar “livremente” a prova, desprezando-a com base em presunções
que, como no caso supramencionado, contrariam, até mesmo, o senso comum.[2] A
frase “dadas as diversas atividades desempenhadas pela parte autora” (quase)
sempre vem desacompanhada de maiores considerações, num silogismo imperfeito, o
que confirma a impressão de que ela é utilizada para (só)negar o direito à
aposentadoria especial.
Escrito por Diego Henrique Schuster
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Bah1: STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de Hermenêutica: quarenta temas fundamentais da Teoria do Direito à luz da Crítica Hermenêutica do Direito. Belo Horizonte: Letramento, 2017. p. 234 e 267.
Bah2: Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento. BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/…/_ato2015-2…/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 12 dez. 2018.
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