O TEMA REPETITIVO 1.018/STJ E A ORDEM DOS FATORES NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO
A jurisprudência está muito longe de fornecer todas
as respostas. É o que acontece com o Tema Repetitivo 1.018/STJ, que não traz
uma norma justa, prova e acabada - já que não abarca todas as hipóteses de aplicação da norma ao qual se refere. Assim, por exemplo, nos casos em que o
benefício postulado na justiça é reconhecido mediante reafirmação de DER, isso
não afasta a incidência do precedente de observação obrigatória. Nesses casos,
o precedente somente poderá ser afastado quando a reafirmação de DER
ultrapassar a data do benefício concedido na via administrativa. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE
INSTRUMENTO. TEMA 1018 DO STJ. APLICABILIDADE. REAFIRMAÇÃO DA DER. É permitida
a execução de parcelas atrasadas de benefício concedido judicialmente, mesmo
que mediante reafirmação da DER, em caso de ser deferido ao autor, no curso da
ação, benefício administrativo mais vantajoso, conforme tese fixada no Tema
1018 do STJ. (TRF4, AG 5034465-92.2023.4.04.0000, NONA TURMA, Relator PAULO
AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 13/03/2024)
Outra discussão que está na pauta do dia é saber: e se o benefício mais vantajoso é concedido mediante o aproveitamento (averbação)
de períodos incontroversos reconhecidos na justiça - como fica o Tema
1.018/STJ?
Já existem decisões do Tribunal Regional Federal da 4ª Região entendendo que não deve ser aplicado o Tema Repetitivo 1.018. Para os
julgadores, o que admite o Tema é a substituição de um benefício por outro,
resguardado o direito do segurado: (a) à execução das prestações vencidas do
benefício descartado até a DIB do benefício eleito; ou (b) à averbação do tempo
de serviço a ele subjacente para o efeito de futura revisão/concessão da
aposentadoria extrajudicial. Em conclusão: “O que não pode o segurado é
valer-se concomitantemente destas 2 possibilidades, pois isto implicaria, como
bem disse o Juízo a quo, na utilização de mesmos intervalos para concessão de
dois benefícios distintos, caracterizando cisão do julgado e desaposentação
indireta.”
Tais fundamentos merecem discussão.
No Tema Repetitivo 1.018, o Superior Tribunal de
Justiça buscou restabelecer o equilíbrio das forças, bem assim considerar o
ônus da demora. Assim, o precedente de observação obrigatória tem como
fundamentos determinantes: a) o segurado foi obrigado a permanecer trabalhando
em razão da atuação descomprometida da autarquia previdenciária, logo, manter o
benefício concedido na via administrativa significa prestigiar o esforço
adicional desempenhado pelo segurado; e b) a percepção dos atrasados significa
prestigiar a correta aplicação do Direito ao caso concreto e, também,
justificar a movimentação do aparato judiciário.
Jean-Marie Muller esclarece: “A procura da justiça
é a procura de um equilíbrio entre forças antagônicas, de forma que os direitos
de cada um sejam respeitados.”[1] No precedente em questão, o Superior Tribunal
de Justiça buscou equilibras forças desiguais. No processo previdenciário, o
segurado suportar – sozinho – todo o ônus da demora, em razão, muitas vezes, de
uma atuação abusiva e protelatória do INSS, transformando o processo num
instrumento de ameaça e pressão.
A decisão tem nítido caráter indenizatório. Para o
servidor público, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido
de que a demora injustificada da Administração em analisar o requerimento de
aposentadoria - no caso, mais de 1 (um) ano - gera o dever de indenizar o
servidor, que foi obrigado a permanecer no exercício de suas atividades.
Precedentes: STJ, REsp 968.978/MS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,
SEGUNDA TURMA, DJe de 29/03/2011; AgRg no REsp 1.260.985/PR, Rel. Ministro
CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe de 03/08/2012; REsp 1.117.751/MS, Rel.
Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 05/10/2009.[2]
Mas voltando ao nosso exemplo, em que houve a
averbação do tempo reconhecido judicialmente, utilizado para a concessão
administrativa de aposentadoria mais vantajosa. Mesmo com a averbação de
períodos reconhecidos na justiça, é possível se problematizar e defender a
continuidade dos fundamentos determinantes do Tema Repetitivo 1.018/STJ. Sempre
lembrando que o mais importante não é o que o tribunal decidiu, mas porque
assim decidiu.
A concessão de benefício mais vantajoso, no curso
do processo judicial, ainda que mediante averbação de períodos reconhecidos na
sentença judicial, não “apaga” o fato de o indeferimento desse pedido, ainda na
via administrativa, ter dado causa à demanda judicial.
Mesmo com a concessão de benefício, mediante o
aproveitamento de períodos incontroversos na ação judicial, o segurado precisou
esperar pelo reconhecimento do seu direito desde a DER, vale dizer: na ação
judicial, até o trânsito em julgado. Note-se que isso pode levar anos. Nesta
perspectiva, é possível se afirmar que a espera do reconhecimento do direito na
justiça, em razão do indeferimento na via administrativa, justificou a
movimentação do aparato judiciário para além da concessão do benefício mais vantajoso
na via administrativa. Assim, devemos prestigiar a correta aplicação do
Direito!
Nestes casos, apesar do período incontroverso
(reconhecido na justiça e averbado na via administrativa), o que se verifica é
que o processo continua, seja em razão de recurso do autor, seja em razão de
recurso do próprio o INSS. Sobre o que se torna incontroverso, em razão do INSS
não recorrer da sentença, tem-se que a Autarquia está concordando com o direito
do segurado. Vale lembrar que ao INSS é possível revisar e modificar suas
decisões, havendo para tanto amparo legal no art. 69 da Lei 8.212/1991.
Assim, cumpre perguntar: qual a diferença do INSS
reconhecer tais períodos na via administrativa ou na via judicial, concordando
com a sentença (abandonando o recurso cabível)?
O que mais perto interessa à problemática é
verificar que, a rigor, é possível a revisão do benefício concedido na via
administrativa, mediante a inclusão de períodos reconhecidos na justiça. Assim
sendo, é possível que, num primeiro momento, o benefício mais vantajoso não
seja aquele concedido na via administrativa. Ocorre que, após a sua revisão,
mediante a inclusão de períodos reconhecidos na via judicial, o seu valor
poderá ultrapassar a RMI do benefício reconhecido na justiça – que gerou
atrasados.
Até aqui, prima facie, sem maiores problemas; a
grande questão, entretanto, surge quando se reflete um pouco mais fundo sobre o
benefício concedido na via administrativa, vale dizer: com aproveitamento de
períodos reconhecidos na justiça. Em sentido contrário ao axioma matemático de
que a ordem dos fatores de uma soma ou multiplicação não altera o valor do
respectivo produto, no direito previdenciário, a lógica é inversa. Será?
Cumpre, então, indagar: uma vez retirada a provisoriedade de tal medida, ou melhor, uma vez que o benefício na via administrativa se transformou numa escolha consciente do autor, o que (ainda) justifica esse tratamento diferenciado entre um benefício que é concedido mediante o aproveitamento de períodos incontroversos reconhecidos na justiça; e um benefício que, mesmo que concedido sem tal aproveitamento, é posteriormente submetido a uma revisão, para inclusão dos períodos reconhecidos na justiça?
O INSS, por sua vez, alega a ocorrência de
“desaposentação”. Com a devida vênia, mas devemos colocar os fatos e
acontecimentos numa ordem cronológica, atentando-se para o recorte descritivo
que forneceu as condições necessárias ou suficientes para se chegar na tese. O
benefício concedido na via administrativa é concedido (com o perdão da
redundância) no curso da demanda previdenciária, ou seja, enquanto o segurado
busca demonstrar o direito a sua aposentadoria desde a DER, na justiça (isso
não muda aqui).
Não é possível se dizer que a pessoa se aposentou
e, em função de fatos supervenientes, novas contribuições, pretende o recálculo
para incorporar novas contribuições e, consequentemente, a concessão de um
benefício mais vantajoso. Em poucas palavras, a desaposentação consiste na
renúncia ao benefício previdenciário seguido da concessão de outro, mais
vantajoso. Aqui a situação não é igual. Em sendo a situação diferente:
[...] importante destacar que em nada tal
orientação jurisprudencial se alterou a partir do julgamento da tese de
desaposentação pelo Supremo Tribunal Federal. A tese firmada pela Suprema
Corte, em sede de repercussão geral, é a de que é inviável o recálculo do valor
da aposentadoria com base em novas contribuições decorrentes da permanência ou
volta do trabalhador ao mercado de trabalho após a sua concessão, o que em nada
se assemelha com a hipótese dos autos, não havendo que se falar em violação ao
art. 927 do CPC. (REsp 1.740.006 – RS)
O conceito jurídico tem como finalidade evitar que
se venda “gato por lebre”. Além disso, o conceito permite que os indivíduos que
compõem a relação processual tenham uma referência. Não é possível, portanto,
se ampliar, diminuir ou mudar o conceito de “desaposentação”, na tentativa de
desorientar o Poder Judiciário. Lenio Streck, ao comentar a Súmula Vinculante
11 do STF, diz que primeiro damos “nome aos bois” e, depois disso, “bois aos
nomes”, no sentido de fornecer “casos concretos” – a serem abrangidos pela
tese. Neste nível, o boi representado pela situação em questão não pode ser
chamado de “desaposentação”.
Espero, sinceramente, contribuir para o debate.
Para tanto, é necessário suspendermos nossas opiniões prévias sobre o tema,
pois, se para quem concorda, os argumentos são desnecessários; e para quem não
concorda, inúteis, já não temos mais diálogo, tampouco reflexão.
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Bah1:
MULLER, Jean-Marie. O princípio de não-violência. Lisboa: Instituto Piaget,
1995. p. 23-24.
Bah2: AgInt
no REsp n. 1.694.600/DF, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda
Turma, julgado em 22/5/2018, DJe de 29/5/2018.
Do que entendi do texto, a situação fática estaria alicerçada nos seguintes fatos:
ResponderExcluirBenefício indeferido ajuizado, com sentença de mérito cumprida para averbar tempo de contribuição e/ou concessão de aposentadoria (não recebida).
Aqui, na minha otica, teriamos 2 situações diferentes.
1) cumprida parcialmente a sentença para, apenas, averbar o tempo reconhecido na via judicial, sem implantação de benefício;
2) cumprida totalmente a sentença para averbar o tempo reconhecido na via judicial e implantar o benefício pelo INSS;
De toda sorte, o pedido de cumprimento de sentença é uma faculdade do exequente, que, se quiser, nem mesmo precisaria executar a sentença, eis que o impulso do cumprimento da sentença faz-se por iniciativa do próprio exequente.
Pensando nisso, o segurado com o título judicial em mãos poderia executá-lo como bem entendesse, ainda que parcialmente, ou nem mesmo executá-la como já dito.
Diante dessas considerações, de fato, o Tema 1018/STJ está longe de sanar essa problematica, especialmente quando se lê a tese proposta como redigida está.
Se nos atentarmos aos motivos do julgado, em especial ao voto-vista, podemos concluir que se o INSS foi o responsável pelo indeferimento e este ocorreu de maneira indevida, poder-se-ia aplicar por extensão o Tema 1018 em conjunto com o AgRg no REsp n. 1.481.248/SC, Segunda Turma, DJe de 18/11/2014.
Aparentemente, pelo menos em leitura da ementa (a verificar o inteiro teor), no AgRg no REsp n. 1.481.248/SC, Segunda Turma, DJe de 18/11/2014, o STJ reconheceu o direito de prosseguimento do processo de execução, para executar valores oriundos do benefício previdenciário reconhecido em juízo, posteriormente renunciado em razão do deferimento concomitante de benefício previdenciário mais vantajoso por parte da Administração.
Tal julgado fora apontado como fundamento no voto-vista do Tema 1018.
Confirmadas essas premissas, não vejo óbice à aplicação do Tema 1018 também na hipótese discutida no presente artigo, sendo possivel o cumprimento parcial de sentença com averbação de tempo reconhecido judicialmente para concessão de benefício mais vantajoso concedido administrativamente, renunciando-se, se for o caso, a eventual benefício implantado por ordem judicicial menos vantajoso.
Claramente, no Tema 1018 do STJ, nos precedentes nele invocados e na ratio decidendi, a orientação-mor diz respeito a (ir)responsabilidade do INSS, pelo que concordo integralmente com a opinião do artigo.
Abraço.