INTERESSE DE AGIR, DEMORA E DECADÊNCIA: O QUE É JUSTIÇA?

 

Suponhamos a seguinte situação: O beneficiário de uma aposentadoria formula um pedido de revisão no INSS, em 12/08/2022, dentro do prazo decadencial. Após 45 dias e preocupado com determinada orientação jurisprudencial, que não acolhe o segundo termo para a contagem do prazo decadencial (Art. 103, II, Lei 8.213/1991), ajuíza uma ação previdenciária na pendência de uma resposta da Autarquia (ainda dentro do prazo decadencial).

O INSS contesta, no mérito, os pedidos de reconhecimento, como tempo de serviço especial, de determinados períodos. Bom, já deu para perceber que o caso é real!

Sentenciando, o magistrado julga procedente a ação de revisão de benefício previdenciário, porém, reconhecendo “a prescrição dos valores eventualmente devidos e vencidos mais de cinco anos antes do ajuizamento da presente ação”. Por esta razão, o autor recorre sobre o ponto, alegando a suspensão da prescrição, em razão, justamente, do pedido de revisão protocolado na via administrativa. O INSS, por sua vez, não recorre.

Eis que a 2ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul, de ofício, extingue o feito, sem resolução de mérito, com fundamento no Tema 350/STF. Na decisão assim restou expresso:

No caso dos autos, ao ingressar com o pleito judicial anteriormente ao proferimento da decisão administrativa acerca do pleito revisional deduzido naquela esfera (Evento 1.7, p. 23 e Evento 5.2), a parte autora não logrou evidenciar os pontos da resistência do INSS à sua postulação contemporaneamente ao ajuizamento, de modo que deve ser reconhecida a ausência de interesse processual, nos termos do entendimento sedimentado pelo STF.

Acresço que, na espécie, é muito mais patente a imprescindibilidade do prévio indeferimento administrativo, visto que o INSS efetua administrativamente a revisão em hipóteses como a apresentada, desde que apresentados os comprovantes adequados para os períodos de labor.

Outrossim, deve-se ponderar que, caso entendesse que a demora na análise do seu pedido administrativo estava a ferir direito líquido e certo, a medida judicial cabível seria o Mandado de Segurança contra ato do agente público responsável pela inércia do órgão previdenciário e não o ajuizamento da ação visando à substituição da necessária análise administrativa do pleito.

Ressalte-se que a ausência de condição da ação referente ao interesse processual é matéria de ordem pública, passível de conhecimento de ofício pelo juízo, a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição.

Dessa forma, o caso em tela impõe a extinção do processo, sem resolução do mérito, fulcro no art. 485, VI, do CPC, julgando-se prejudicado o recurso da parte autora.

O voto é, pois, por reconhecer a falta de interesse de agir para a demanda e extinguir o feito sem julgamento do mérito, com fulcro no art. 485, VI, do Código de Processo Civil, e julgar prejudicado o recurso da parte autora.

A parte autora opôs embargos de declaração, alegando que o INSS contestou o feito e, talvez o mais importante, que a comunicação do indeferimento do pedido de revisão foi expedida apenas em 02/2024, vale dizer, quase dois anos depois do protocolo do pedido de revisão, ou seja, após o prazo de 10 anos. Então, cumpre perguntar: qual é a lógica de exigir uma nova ação previdenciária, vale dizer: com todas as implicações que isso tem: demora, prescrição e, sim, decadência?

Conforme se pode verificar do voto de lavra do Min. Roberto Barroso, no julgamento do Tema 350/STF, houve a compreensão de que “Eventual lesão a direito decorrerá, por exemplo, da efetiva análise e indeferimento total ou parcial do pedido, ou, ainda, da excessiva demora em sua apreciação (isto é, quando excedido o prazo de 45 dias previsto no art. 41-A, § 5º, da Lei nº 8.213/1991)” (Item 16, pág. 6 do voto do Relator).

Em suma, a Suprema Corte, de acordo com a sistemática de repercussão geral, definiu que a ausência de resposta administrativa habilita o segurado a postular judicialmente o direito material previdenciário, indo ao encontro do que se argumenta neste texto, no sentido da aplicação do instituto do silêncio administrativo no campo da seguridade social.

A injustificada demora na apreciação do recurso administrativo tem como fundamento o artigo 49 da Lei 9.784/1999: “Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.”

Decerto, a demora também justifica o interesse de agir do apelante, sendo desnecessária uma ação autônoma (mandado de segurança), para se obter uma definição para o pedido de revisão, vale dizer, como condição para o ajuizamento de revisão do benefício.[1]

É evidente que a pretensão do autor está de acordo com o Tema 350 (STF): “A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas”.

Como se vê, a referida decisão representa um dano a toda uma visão social que merece o Direito Previdenciário. A frase do professor Lenio Streck é sempre bem-vinda: “Justiça, para mim, é para solucionar problemas, não para criá-los”.

A decisão joga contra a parede outro ponto preocupante, qual seja, o fato de o Tema Repetitivo 975/STJ não ter problematizado o Tema 350/STF (e nem aquilo que acontece depois do pedido de revisão protocolado dentro do prazo de 10 anos, já que ali a Corte se debruçou, única e exclusivamente, sobre o objeto da revisão, e não o termo inicial para a contagem do prazo). Aqui importante sublinhar, desde já, o item “4” da tese fixada no Tema 350/STF:

Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo – salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração –, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão.

Caso seja ignorado o segundo termo para contagem do prazo decadencial, chegaremos à seguinte conclusão lógica: o beneficiário precisa, dentro do prazo de 10 anos (a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação), tomar ciência da circunstância que lhe permite postular a revisão; formalizar um pedido administrativo de revisão de benefício, para levar a matéria ao conhecimento do servidor do INSS (Tema 350/STF); e ajuizar uma ação judicial.

O que será daquelas ações ajuizadas dentro do prazo decadencial, mas extintas, sem resolução de mérito, por ausência de agir? Na 11ª Turma do TRF4, por exemplo, aplica-se o prazo de 180 dias! O que fazer quando o prazo decadencial bate à porta?

Como já ouvi dizer Wilson Engelmann: “O Direito Processual precisa ganhar o mundo onde os fatos acontecem e esperam uma solução razoável”. E pensar que se o autor não tivesse recorrido, o processo sequer teria chegado na Turma Recursal! 


Bah1: SAVARIS, José Antonio. Silêncio administrativo e proteção judicial no direito previdenciário. Alteridade. 21 abr. 2020. Disponível em: <https://www.alteridade.com.br/silencio-administrativo-e-protecao-judicial-no-direito-previdenciario/>. Acesso em: 21 abr. 2024. 


Comentários

  1. Muito pertinente este tema. Tenho um caso exatamente assim. Ação extinta sem julgamento do mérito pela Turma Recursal, quando já transcorrido o prazo decadencial decenal. Nova ação ajuizada agora, desafiando a decadência, com precedentes no sentido de que a revisão administrativa não suspende a contagem desse prazo.

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