COBRAS, PRELIMINARES E CERCEAMENTO DE DEFESA: A NECESSIDADE DE PROVA EM SEGUNDA INSTÂNCIA

 

Sabe-se que o veneno das cobras acaba virando o antídoto que salva vidas e, nessa perspectiva, pode-se afirmar que cobras salvam mais vidas do que matam. Assim também o CPC possui os antídotos contra suas próprias armadilhas, e que o recurso adesivo ou contrarrazões com preliminar de cerceamento de defesa são exemplos disso.

Esses antídotos não serão examinados aqui, embora seja isso que me motivou a escrever o presente artigo, a saber, situações em que o advogado não lançou mão do recurso ou da precaução esperada. Nosso foco está na importância da prova para pensar sobre o que configura o cerceamento de defesa.

Na prática, estou tomando como recorte descrito aquelas situações em que a prova testemunhal e/ou pericial é indeferida em primeira instância; a sentença é procedente para reconhecer o direito, o que resulta na falta de interesse recursal; o tribunal, a partir do mesmo conjunto probatório, reforma a sentença, sem determinar a prova expressamente requerida desde a petição inicial; enfim, situações que implicam verdadeira armadilha procedimental e fazem o contraditório – enquanto garantia de influência e de não surpresa – simplesmente sucumbir, deixando o processo distante da sua verdadeira finalidade.

Isso me fez pensar sobre o rigor do processo civil com o momento processual, com a preclusão, enfim. A dogmática trata o processo como algo estático, realizado em etapas, às vezes, numa relação de “tudo ou nada”. Comecei a estudar o novo CPC a partir de uma abordagem hermenêutica (hermenêutica da faticidade), olhando o processo como algo dinâmico, em que os fatos acontecem e esperaram uma resposta razoável, mormente em matéria previdenciária.

O novo CPC não apenas reproduziu o art. 322 do CPC de 1973, mas destacou o direito de influir utilmente (CPC 2015, art. 369). Mas do que isso, ele colocou o contraditório enquanto garantia de não surpresa (CPC, art. 10). E é aqui que me apego para defender o cerceamento de defesa em segunda instância, ou seja, quando o tribunal ou a turma recursal reforma a sentença sem determinar a prova expressamente requerida e indeferida em primeira instância. Ao fim e ao cabo, temos, fatalmente, uma decisão que julga improcedente o pedido com fundamento na ausência de dados que poderiam ser supridos pela prova negada. Então, aqui estou favorecendo o que de fato aconteceu para dizer que a falta de tal providência prejudicou o direito processual do autor.

Defendemos que o juiz a quo, abstraindo o seu entendimento particular, deve pensar na prova como sendo das partes (do processo), ou seja, considerando também ou outros juízes que são chamados para exercer seu juízo de certeza, em sede recurso. De qualquer modo, em segunda instância, o julgador também precisa da prova para verificar os fatos alegados pelo autor e/ou declarar de forma definitiva ou minimamente segura a existência (ou não) do direito. Tanto é assim que o art. 370 do CPC preconiza: “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.” Já o art. 938, § 3º, do CPC é ainda mais enfático: Reconhecida a necessidade de produção de prova, o relator converterá o julgamento em diligência, que se realizará no tribunal ou em primeiro grau de jurisdição, decidindo-se o recurso após a conclusão da instrução. Decerto, fica claro que o julgador não pode julgar com dúvidas.

Em alguns casos, contudo, o tribunal reforma a sentença para afastar a especialidade de um período especial com fundamento na ausência de dados que poderiam ser supridos pela prova testemunhal ou pericial, instando o advogado a assumir os danos sofridos pelo segurado, vale dizer: em razão da não reiteração do agravo retido ou da falta de uma preliminar em sede de contrarrazões.

A meu ver, ganha menor importância o comportamento processual esperado pelo advogado diante das circunstâncias e, sobretudo, do motivo da improcedência – e isso para efeitos de cerceamento de defesa. A falta da preliminar é um minus em relação ao dano causado ao autor e, como já se viu, a toda uma visão social que merece o Direito Previdenciário. A prova vem para ajudar, na apuração dos fatos, e não para prejudicar, logo, seu pedido não é um ônus só da parte autora.

Tanto as partes quanto o órgão judicial devem agir e interagir entre si com boa-fé e lealdade, na busca da correta aplicação das normas jurídicas ao caso concreto, com ênfase para a realização dos direitos fundamentais-sociais.


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