O TEMA REPETITIVO 1018/STJ E SEUS FUNDAMENTOS DETERMINANTES: O QUE ACONTECE QUANDO O BENEFÍCIO POSTULADO NA JUSTIÇA É RECONHECIDO MEDIANTE REAFIRMAÇÃO DE DER?

 

Jean-Marie Muller esclarece: “A procura da justiça é a procura de um equilíbrio entre forças antagónicas, de forma que os direitos de cada um sejam respeitados.”[1] A justiça social é, exatamente, o equilíbrio de forças. No processo previdenciário, não estão em condições de igualdade segurado e INSS. 

Por outro lado, o tempo sempre foi considerado um ônus que as partes devem suportar, cabendo, porém, ao Poder Judiciário distribui-lo entre as partes.[2] No processo previdenciário, o segurado suportar – sozinho – todo o ônus da demora, em razão, muitas vezes, de uma atuação abusiva e protelatória do INSS, transformando o processo num instrumento de ameaça e pressão.

No Tema Repetitivo 1018, o Superior Tribunal de Justiça buscou restabelecer o equilíbrio das forças, bem assim considerar o ônus da demora. Assim, o precedente de observação obrigatório tem como fundamentos determinantes:

a) o segurado foi obrigado a permanecer trabalhando em razão da atuação descomprometida da autarquia previdenciária, logo, manter o benefício concedido na via administrativa significa prestigiar o esforço adicional desempenhado pelo segurado;

b) a percepção dos atrasados significa prestigiar a correta aplicação do Direito ao caso concreto e, também, justificar a movimentação do aparato judiciário.

Assim sendo, o fato de o benefício postulado na justiça ter sido reconhecido mediante reafirmação de DER não afasta a aplicação do Tema 1018/STJ, sendo devido os atrasados desde o preenchimento dos requisitos ensejadores até a data de implantação do benefício concedido na via administrativa.

O novo CPC prevê a impossibilidade de o julgador (CPC, art. 489, § 1º, VI) deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. Isso significa tanto a obrigatoriedade de serem levados a sério os argumentos das partes, quando baseados em direito jurisprudencial, quanto a existência de um ônus argumentativo maior ao julgador para deixar de seguir os precedentes e a jurisprudência.

O CPC/2015, no art. 489, § 1º, V e VI, reforça o entendimento de que é do julgador o ônus de identificar os fundamentos determinantes ou demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento, sempre que invocar jurisprudência, precedente ou enunciado de súmula.

De acordo com Daniel Amorim Assumpção Neves, “os incisos V e VI do § 1º, do art. 489 do novo CPC criam um dever do juiz, não sendo legítimo se criar um ônus para a parte onde a lei não o prevê e sequer o sugere”. De fato, “a identificação dos fundamentos determinantes e a demonstração da existência de distinção ou superação do entendimento são deveres do juiz, de forma que mesmo que as partes não tenham se manifestado expressamente nesse sentido, continua a ser nula a decisão que deixa de fazê-lo”.[3] E isso vale para os recursos extraordinários repetitivos (artigos 1.036 a 1.041), com previsão expressa de técnicas de distinção (artigos 1.037, §§ 9º a 13) e superação de precedentes (artigo 927, §§ 2º a 4º).

Tanto é assim que o Enunciado 59 do CJF estabelece: “Não é exigível identidade absoluta entre casos para a aplicação de um precedente, seja ele vinculante ou não, bastando que ambos possam compartilhar os mesmos fundamentos determinantes.”

Decerto, não há como superar a aplicação do Tema Repetitivo 1018/STJ mediante a mera alegação de que o benefício postulado na justiça foi concedido mediante reafirmação de DER. Ainda assim poderemos continuar a sustentar os mesmos fundamentos determinantes! O Tema Repetitivo 1018/STJ somente poderá ser afastado quando a reafirmação de DER ultrapassar a data do benefício concedido na via administrativa. Se antes disso, o autor tem garantida a possibilidade de manutenção do benefício concedido na via administrativa e, concomitantemente, a execução dos atrasados do benefício postulado/concedido na justiça.

É inútil afirmar que o Tema 1018/STJ foi pensado para equilibrar forças desiguais, querendo desacreditar a sua força naquelas hipóteses em que o benefício postulado na justiça é reconhecido mediante reafirmação de DER. 

A  propósito, a questão da reafirmação de DER (Tema Repetitivo 995/STJ) tem como fundamento o princípio da primazia do acertamento. Nas palavras de Jose Antonio Savaris: "A resposta do princípio [...] à questão proposta não será outra, portanto, que não a outorga da proteção judicial na medida em que o segurado faz jus, isto é, a concessão da aposentadoria pretendida com efeitos financeiros desde a formalização do requerimento administrativo".[4]

 

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Bah1: MULLER, Jean-Marie. O princípio de não-violência. Lisboa: Instituto Piaget, 1995. p. 23-24.

Bah2: RIBEIRO, Darci Guimarães. Da tutela jurisdicional às formas de tutela. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 61.

Bah3: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 131.

Bah4: SAVARIS, Jose Antonio. Princípio da primazia do acertamento judicial da relação jurídica de proteção social. Disponível em: www.univali.br/periodicos. acesso em: 14 jul. 2023.


Comentários

  1. Os fundamentos determinantes retratam muito bem o ônus da espera vivenciado pelo segurado. Penso que as razões de decidir também podem ser compartilhadas nos casos em que o segurado tem deferido um benefício administrativo enquanto aguarda o julgamento do recurso pelo CRPS, além da hipótese colocada pelo professor.

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