ESPECIFICAMENTE O PRAZO PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO RESCISÓRIA POR VIOLAÇÃO À NORMA CONSTITUCIONAL: VARIAÇÕES SOBRE O MESMO TEMA
Antes de qualquer outra análise, devemos considerar
a seguinte situação: nenhuma doutrina civilista defende que o prazo para a
propositura de ação rescisória com fundamento em lei declarada (in)constitucional
pelo STF constitui um privilégio apenas da Fazenda/INSS (eu não encontrei
ainda).
É possível se afirmar que, em sede
de cumprimento de sentença, os artigos 525 e 535 versam apenas sobre matéria
de defesa do executado; mas não que o prazo para propositura de ação rescisória
por violação à norma constitucional, previsto nos §§ 15 e 8º dos
respectivos dispositivos, vale apenas para a Fazenda.
Minha intenção, aqui, não é oferecer uma resposta
irresistível, mas convidar o leitor à reflexão.
Os artigos supramencionados são invocados para
inibir tanto a execução como para fundamentar a ação rescisória. Assim, se o
título transitar em julgado após a decisão paradigma do STF poderá ser adequado
em sede de cumprimento de sentença. Se caso, contudo, o título transitou em
julgado antes da decisão paradigma, será cabível a ação rescisória, devendo o
termo inicial do prazo decadencial inicial a contar do trânsito em julgado da
decisão do Supremo Tribunal Federal, conforme determina os artigos 525, § 15, 535, § 8º, e 1.057
do CPC.
O STF já afirmou que, diferente da lei
infraconstitucional, a lei constitucional “não é lei qualquer, mas a lei
fundamental do sistema”, logo, que não pode gerar duas ou mais interpretações
razoáveis, porém, apenas uma “interpretação jurídica correta”. (STJ, EDiv no
Resp 608.122/RJ, 1ª Seção, j. 09.05.2007, rel. Min, Teori Zavascki). Assim, por
exemplo, acórdão relatado pelo Ministro Moreira Alves, que diz inexistir ofensa
ao art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, sob o ângulo da coisa julgada e da
não aplicação da Súmula 343, “pela singela razão de que o enunciado dessa
súmula se situa exclusivamente no plano da interpretação da legislação
processual infraconstitucional” (STF, Ag no AI 305.592-0, 1ª T., j. 20.02.2001,
rel. Min, Moreira Alves).
Em outro caso, o Supremo Tribunal Federal chegou à
seguinte decisão:
EMENTA:
Embargos de Declaração em Recurso Extraordinário. 2. Julgamento remetido ao
Plenário pela Segunda Turma. Conhecimento. 3. É possível ao Plenário apreciar
embargos de declaração opostos contra acórdão prolatado por órgão fracionário,
quando o processo foi remetido pela Turma originalmente competente. Maioria.
4. Ação Rescisória. Matéria constitucional. Inaplicabilidade da Súmula
343/STF. 5. A manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da
interpretação adotada pelo STF revela-se afrontosa à força normativa da
Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional. 6.
Cabe ação rescisória por ofensa à literal disposição constitucional, ainda que
a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida ou seja
anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal. 7. Embargos de
Declaração rejeitados, mantida a conclusão da Segunda Turma para que o Tribunal
a quo aprecie a ação rescisória. (RE 328812 ED, Relator(a): GILMAR MENDES,
Tribunal Pleno, julgado em 06/03/2008, DJe-078 DIVULG 30-04-2008 PUBLIC
02-05-2008 EMENT VOL-02317-04 PP-00748 RTJ VOL-00204-03 PP-01294 LEXSTF v. 30,
n. 356, 2008, p. 255-284)
As decisões do Supremo
Tribunal Federal são aptas à desconstituição das decisões transitadas em
julgado que lhes são contrárias. Não há dúvidas de que a interpretação do
Supremo Tribunal Federal deve prevalecer, para corrigir uma decisão
inconstitucional, independentemente de quem seja a parte.
A finalidade
da ação rescisória, como já se viu, é atacar a coisa julgada
inconstitucional, logo, o que importa é o conteúdo da decisão rescindenda
(critério material, e não critério topológico). Enfim, uma coisa são os meios
de defesa do executado; outra, bem distinta, é a ação rescisória em face da
coisa julgada inconstitucional. Aqui não há como justificar um tratamento
diferenciado, em favor da Fazenda/INSS, sob pena de violação ao princípio da
isonomia. Não há circularidade em interpretar uma lei supondo que ela não
deva atender ao princípio da igualdade.
Assim, o termo inicial para
contagem do prazo decadencial deve ser, para quem quer que seja, o trânsito em
julgado da decisão do Supremo Tribunal Federal. A retroatividade do
pronunciamento do Supremo Tribunal Federal só encontra limites na modulação de efeitos da decisão, conforme os §§
13, art. 525, e 6º, art. 535, do CPC.
Por outro lado, a doutrina
parece ser unânime sobre a inconstitucionalidade dos 525, § 15, 535, § 8º, do CPC.
Nesse nível, não se pode concordar que defender a aplicação dos artigos
525, §15, e 535, §8º, do CPC para todos, exequente e executado, seria como
tentar justificar um erro com outro erro. Erro maior consiste em: mesmo
concordando com a inconstitucionalidade dos dispositivos em foco, ainda assim,
privilegiar apenas a Fazenda Pública com a possibilidade de muitos anos após o
trânsito em julgado propor uma ação rescisória. Aqui a afronta ao princípio da
igualdade não constitui o menor dos males, mas, pelo contrário, o maior.
O presente artigo tenta conciliar estes dois pontos no mesmo parágrafo,
concordamos com a inconstitucionalidade dos artigos 525, § 15, 535, § 8º, do
CPC (sem limites) e, com muito maior razão, sua aplicação apenas em favor da
Fazenda/INSS (o que viola o princípio de igualdade). Dentre as melhores interpretações,
no sentido de compatibilizar os dispositivos com a Constituição Federal do
Brasil (que garante os direitos fundamentais à segurança jurídica à coisa
julgada) e com o sistema processual estabelecido pelo próprio Código (que
estabelece termo inicial diferenciado para a contagem do prazo de dois anos em
caso de descoberta da prova nova, mas limita ao prazo máximo de cinco anos,
contando do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo), está:
[...] o § 15 do art. 525 e o § 8º
do art. 535 do CPC devem ser interpretados conforme à Constituição para admitir
o cabimento de ação rescisória quando a obrigação reconhecida em decisão
judicial transitada em julgado for fundada em lei ou ato normativo considerado
supervenientemente inconstitucional pelo STF, ou fundada em aplicação ou
interpretação da lei ou do ato normativo tido posteriormente pelo STF como
incompatível com a Constitucional Federal, em controle de constitucionalidade
concentrado ou difuso, e os efeitos não forem atingidos por modulação, em
atenção à segurança jurídica, ‘cujo prazo será contado do trânsito em julgado
da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal’, mas limitado ao prazo
máximo de cinco anos, contado do trânsito em julgado da última decisão
referente à questão sobre a qual versa a ação rescisória.[1]
Buscamos, assim, um “meio-termo” que respeite tanto o princípio da segurança jurídica como da igualdade; buscamos, assim, por critérios que estão no Direito. O “meio-termo” significa a equidistância em relação aos extremos.[2] Espero avançarmos no debate: seria tão óbvia a questão, no sentido de que os artigos em foco somente guardam relação com o executado (Fazenda), digo, a ponto de não merecer nenhum parágrafo na doutrina especializada?
Vale, aqui, considerar mais um argumento
capaz de contribuir para uma melhor reflexão sobre o tema. O artigo 967 do CPC
não apenas reproduziu o art. 487 do Código de 1973, mas foi além, ao atribuiu
ao Ministério Público a possibilidade de propor ação rescisória no processo em
que figurou como fiscal da lei, bem como ao outorgar essa mesma possibilidade
aos entes que não foram ouvidos no processo em que tinham a obrigação de
intervir. Nesse caso, estes também não poderão aproveitar o prazo decadencial
previsto no art. 525, § 15, e 535, § 8º, do CPC?
Não podemos ficar a meio
caminho: se as partes previstas no artigo 967 do CPC possuem legitimidade
passiva para propor ação rescisória com fundamento em lei declarada (in)constitucional
pelo STF, a todos deve valer o mesmo prazo, a contar do trânsito em julgado da
decisão paradigma.
Escrito por Diego Henrique Schuster
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Bah1: SANTOS, Welder
Queiroz dos. Ação rescisória por violação a precedente. 1. ed. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 214.
Bah2: ARISTÓTELES. Ética
a Nicômaco. 5. ed. São Paulo: Martin Claret, 2011. p. 43.
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