LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA E EFICÁCIA PRECLUSIVA EM MATÉRIA PREVIDENCIÁRIA
Se a demanda precedente não analisou a especialidade do labor de um
determinando período, a realização de tal pedido, em nova demanda, não afronta
a coisa julgada:
PREVIDENCIÁRIO.
COISA JULGADA NÃO CONFIGURADA. CONSECTÁRIOS LEGAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1.
A eficácia preclusiva da coisa julgada está limitada exclusivamente aos
pedidos formulados nos autos do processo anterior, não alcançando o que não foi
pedido na causa nem apreciado na sentença. 2. Sistemática de
atualização do passivo observará a decisão do STF consubstanciada no seu Tema
nº 810. 3. Situação fática a refletir a hipótese do § 11º do artigo 85 do CPC,
o que autoriza a majoração da honorária, no caso, em 5%, conforme precedentes
da Turma em casos deste jaez. (TRF4, AC 5004600-54.2016.4.04.7118, QUINTA
TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 25/06/2018)
Tal
orientação decorre de uma compreensão dos limites objetivos da coisa julgada.
A coisa
julgada sempre esteve atrelada ao binômio
pedido-julgamento. Isso porque a coisa
julgada opera sobre o dispositivo, mais precisamente sobre a declaração contida
na sentença acerca da existência ou inexistência de um direito. O art. 504 do
CPC afirma que não fazem coisa julgada “os motivos, ainda que importantes para
determinar o alcance da parte dispositiva da sentença” e “a verdade dos fatos,
estabelecida como fundamento da sentença”.
No caso,
está-se diante de um novo pedido e, consequentemente, uma nova causa de pedir –
esta última vem justificar o pedido. Fica fácil, portanto, perceber a diversidade dos elementos num plano horizontal:
PARTES CAUSA DE PEDIR PEDIDO
O art.
503 do Novo CPC deixa claro que “a decisão que julgar total ou parcialmente o
mérito tem força nos limites da questão principal expressamente decidida”.
Por outro lado, o art. 508, NCPC, estabelece que, “transitada em julgado a
decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e
as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do
pedido”.
É da
interação – e não conflito – entre esses dois dispositivos que se estabelecem os
limites da coisa julgada.
Num
pedido de cômputo de períodos diversos, tem-se claramente um novo pedido. Nessa perspectiva, a questão dos
limites objetivos se limita à análise dos pedidos – que compõem o pedido de
aposentadoria. Não se faz necessário discutir a causa de pedir no processo anterior. A questão se resolve com a aplicação do art. 337, § 2º, do CPC.
O art. 508 fala em “todas as alegações que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido”, ou seja, está se falando de algo que foi expressamente pedido e decidido. Não se pode colocar o pedido de aposentadoria como pedido principal, no sentido de que todo o resto poderia ser discutido num primeiro e único processo. Cada período, de tempo especial ou rural, constitui um pedido autônomo.
Se concordarmos com a aplicação da
eficácia preclusiva da coisa julgada nesses casos, isto é, considerando apenas o pedido de aposentadoria como principal, chegaríamos à seguinte
conclusão lógica: não é possível a revisão
de fato (complementação ou transformação) de nenhum benefício concedido na
justiça, o que romperia com uma jurisprudência consolidada durante décadas sobre o tema.
Agora, no plano da discussão acerca da especialidade de um mesmo período, concorda-se que um agente nocivo novo (não examinado na demanda anterior) é capaz de induzir uma alteração da causa de pedir. Nesse
sentido:
PROCESSUAL
CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA.
CONTRADIÇÃO. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO. 1. A eficácia
preclusiva da coisa julgada não atinge a possibilidade de alegar a
sujeição a agentes nocivos químicos, quando a causa de pedir (remota e próxima)
deduzida em ação anterior teve por base a exposição a agente
agressivo diverso (ruído). 2. Se a pretensão ao reconhecimento do exercício
de atividade especial com base na exposição a agentes químicos não foi exercida
na ação anterior e, por essa razão, não foi atingida pela coisa julgada
material ou pela eficácia preclusiva da coisa julgada, é
impróprio concluir que o ajuizamento precedente teve o condão de interromper
a prescrição. (TRF4 5017189-79.2014.4.04.7108, QUINTA TURMA, Relator OSNI
CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 28/05/2020)
Aliás, no Recurso Especial nº 1.603.399/RS, o Min. Napoleão Maia Filho, afastou o óbice da coisa julgada, sendo suas razões irretocáveis e conclusivas sobre o tema:
[...] Destaca-se,
ainda, que nem mesmo há que se falar em relativização da coisa julgada em tal
situação, uma vez que somente há a caracterização da coisa julgada quando
proposta ação anterior, com decisão já transitada em julgado, com a identidade
de partes, de causa de pedir e de pedido. O que não se amolda à hipótese, em que
não se reconhece a identidade entre as causas de pedir. Vale ressaltar que a
leitura do acórdão acima transcrito não envolve revolvimento de matéria fática,
não sendo necessária a revisão das provas dos autos para o acolhimento da
pretensão, não havendo que se falar na incidência da Súmula 7/STJ. Ademais,
vale pontuar que não se desconhece as dificuldades enfrentadas pelo Segurado
para comprovar documentalmente que preenche os requisitos necessários para a
concessão do benefício, uma vez que normalmente se referem a fatos que remontam
considerável transcurso de tempo. Registre-se que, tradicionalmente, o Direito
Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus
procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das
demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia
civilista. Dessa forma, as normas de Direito Processual Civil devem ser
aplicadas ao Processo Judicial Previdenciário levando-se em conta os cânones
constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto
social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios
previdenciários. Com efeito, a Constituição Federal de 1988,
atenta à necessidade de proteção do trabalhador nas hipóteses de riscos sociais
constitucional e legalmente eleitos, deu primazia à função social do RGPS,
erigindo como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do
Regime Geral. Diante desse contexto, as normas previdenciárias devem ser
interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição
Federal/1988; assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária
a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que
as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à
prestação previdenciária a que faz jus o Segurado. Aliás, assim como
ocorre no Direito Penal, em que se afastam as regras da processualística civil
em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se
dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse
social que envolve essas demandas [...]. (STJ, REsp nº 1.603.399/RS,
Primeira Turma, Rel. Min. Napoleão Maia Filho, DJ de 05/02/2020).
É como se cada agente
nocivo fosse capaz de produzir seus efeitos jurídicos próprios, ainda que o
período seja o mesmo. Sob esse aspecto, a questão dos limites objetivos não se
limita à análise do pedido de tutela jurisdicional, mas impõe a discussão relativa
à causa de pedir no processo anterior. Ganha importância a fundamentação das decisões, uma vez que os motivos (fundamentos), embora não sejam cobertos pela coisa julgada,
dimensionam e determinam o alcance da parte dispositiva
Desenha-se aqui uma distinção entre um pedido novo e uma nova causa de pedir (para o mesmo pedido). No primeiro exemplo temos um pedido novo (que acompanhada uma nova causa de pedir); no segundo, uma nova causa de pedir justificando o mesmo pedido. No primeiro, discute-se, no mesmo nível, a diversidade de apenas um dos elementos (tríplice identidade); no segundo, fatos de idêntica natureza ou essenciais capazes (ou não) de justificar o mesmo pedido.
Alexandre Freitas Câmara reconhece que faz coisa julgada apenas "aquilo que foi deduzido no processo e, por conseguinte, objeto de cognição judicial".[1] Para Egas Moniz de Aragão, o efeito preclusivo da coisa julgada ocorre apenas na lide julgada, mas não em outra lide, objeto de novo processo, nada impedindo ao interessado deduzir a alegação ou defesa omitida em um novo processo, em que outra seja a lide.[2]
A 3ª Seção do
Tribunal Regional da 4ª Região, por exemplo, já pacificou o entendimento de que
é “'citra petita' o 'decisum' que, a pretexto de que a
lei limita a possibilidade de conversão do tempo especial a 28 de maio de 1998,
deixa de analisar a especialidade do período posterior a esse marco temporal,
violando literalmente o disposto nos artigos 459 e 460 do CPC (AR
0010858-24.2012.404.0000, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper).
O que faz coisa julgada é tão-somente a impossibilidade de conversão de tempo
especial em comum após 28-05-98, e não quanto ao reconhecimento de tempo
especial, porquanto não analisado na ação anterior, ou seja, está-se no mesmo nível do pedido de cômputo
de um período diverso. Por esta razão, é considerada equivocada a aplicação da
coisa julgada.
O que conforta
e demonstra a viabilidade de tal entendimento: TRF4, ARS
5003874-89.2019.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator para Acórdão PAULO AFONSO
BRUM VAZ, juntado aos autos em 28/11/2019. Aqui, acertadamente, a ação
rescisória foi julgada procedente para desconstituir decisão que não admitiu a
rescisão de decisão sem resolução de mérito, frisando-se: “[...] a sentença proferida no primeiro
processo julgou improcedente apenas a conversão do tempo especial em comum do
período posterior a 28.05.1998, nada tendo declarado acerca da especialidade em
si considerada (nem pela procedência, nem pela improcedência), não fazendo coisa
julgada sobre esta questão”.
Escrito por Diego Henrique Schuster
___________________________________
Bah: CÂMARA, Alexandre
Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 24. ed., São Paulo:
Atlas, 2013, p. 532.
Bah2: ARAGÃO, Egas Moniz
de. Sentença e coisa julgada. Rio de
Janeiro: AIDE, 1992.
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