PRORROGAÇÃO DO PERÍODO DE GRAÇA: (DES)EMPREGO (IN)VOLUTÁRIO E A CONFUSÃO CONCEITUAL
O que é necessidade? Comecei a perceber a
noção de “necessidade” como a impossibilidade do contrário, mormente para fins
previdenciários. Uma das condições para a prorrogação do período de graça é a
comprovação do desemprego ou, nesse caso, a impossibilidade de emprego. Seria
algo alheio à vontade do segurado, por não depender dele, mas, e isso sim, das
condições de mercado? Caso a questão não seja tão simples: Que emprego é esse?
Qualquer emprego?
Exemplificando. Em tempos de pandemia,
vale a pena alguém aceitar qualquer emprego e, em razão do trabalho, ter que
pagar alguém para cuidar dos filhos em casa, já que as creches públicas estão
fechadas? É possível uma análise custo-benefício para se avaliar a questão do
desemprego (in)voluntário? A nosso ver ela permite um fechamento
interpretativo, fornecendo maior razoabilidade e proporcionalidade na aplicação
da norma.
É possível se controlar o
subjetivismo invertendo a perspectiva. Assim, a despedida sem justa causa e,
consequentemente, a percepção de
seguro-desemprego servem como prova do desemprego para fins de prorrogação de 12
(doze) meses prevista no art. 15, §2º da Lei de Benefícios. A jurisprudência vem entendendo que
isso é suficiente.[1]
Por
outro lado, a ausência de vínculo no CNIS ou na CTPS não tem o condão de
afastar possível exercício de atividade remunerada na informalidade, tampouco
basta para comprovar a situação de desemprego involuntário hábil a
legitimar a possibilidade excepcional de prorrogação do período de graça.
Agora, o trabalho na informalidade é emprego? Não, o trabalho informal é
realizado sem vínculos empregatícios. O desemprego consiste na falta de emprego
e, portanto, não é sinônimo de trabalho informal. Agora, o desemprego pode ser
uma causa para o trabalho informal. O desemprego pode ser considerado um fator
preponderante para o aumento do trabalho informal. Outro fator que impede o
segurado de conseguir um emprego formal é a falta de escolaridade e formação.
Com isso, entende-se que a informalidade “involuntária” encontra na ausência de
vínculo no CNIS ou na CTPS um motivo para a prorrogação do período de graça.
Pois bem. No que tange à tese no
sentido de que “a prorrogação do período de graça prevista no art. 15, §2º, da
Lei 8.213/91 somente se aplica na hipótese comprovada de desemprego
involuntário, não abrangendo, portanto, as hipóteses de rescisão por justa
causa e pedido de demissão”, cumpre observar.
Mario Sergio Cortella confirma a
minha opinião e talvez me tenha dado a respeito a primeira ideia ao trabalhar a
diferença entre “livre de” e “ser livre para”, em Karl Marx: “Se você não for
livre da fome, da falta de abrigo, da falta de socorro médico, você não é livre
para outras escolhas. Uma parcela das pessoas é livre da miséria, da penúria,
da carência, e é livre para dizer ‘não vou ter um trabalho regular’, ‘vou
viajar’”.[2]
Sabemos que para muitos não há
necessariamente uma escolha, existindo para o pedido de demissão outras razões,
para além do “desemprego voluntário”, como a exaustão, o descontentamento e
outros problemas que poderiam ser discutidos na esfera trabalhista e que
autorizam a despedida sem justa causa.
O desempregado precisa fazer prova de
que está tentando voltar ao trabalho – a própria lei sugere o registro no órgão
próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social. Até aqui tudo bem.
Agora, não se pode admitir contra o segurado (como mais um obstáculo para o
direito) a rescisão por justa causa ou o pedido de demissão, além dos pré-juízos inautênticos, na direção do extremo contrário, sob
pena de não chegarmos ao meio-termo (em Aristóteles).
Devemos contentar-nos com o menor dos
males, devemos nos afastar do que é mais contrário à proteção social de quem
está incapaz para o trabalho. Enfim, não dá para
traçar uma linha reta entre “demissão voluntária” e “desemprego voluntário”. “Tudo
depende da hora: Água, gelo ou vapor" (HG). É possível que o segurado
volte a querer trabalhar no mesmo dia do pedido de demissão! Procurar a verdade
não é procurar o que é desejável, algo que, a priori, pode ser amoldado ao
conceito “desemprego voluntário”, deixando-se de fora a especificidade do caso concreto.
O
que deve acompanhar o juiz durante a sua análise, na busca da melhor aplicação
da norma ao caso concreto, é a certeza de que qualquer interpretação, mesmo que
dentro de um espaço aberto, não poderá importar a diminuição do conteúdo do
direito fundamental em jogo, ou seja, uma hermenêutica criativa não poderá “restringir
ou iludir a efetividade de direitos fundamentais sociais”.
José
Antonio Savaris, tratando do ativismo judicial conservador, assevera:
Na perspectiva da dogmática dos direitos fundamentais, é
indevido o ativismo judicial de restrição a direito fundamental de proteção
social plenamente regulado. Além disso, ao estabelecer novos requisitos de
acesso para a realização do direito, o Judiciário deixa de solucionar o
problema concreto na perspectiva do direito público subjetivo que foi em tese
violado, para julgar problema estranho, correspondente a direito fundamental
com conteúdo distinto, arbitrariamente estabelecido pós-fato, em contrariedade
às exigências de segurança jurídica, questão central no Estado Democrático Constitucional.[3]
No caso
do desemprego, para fins de prorrogação do período de graça, estabeleceram-se
novos requisitos (não expressos na lei) para a configuração do chamado “desemprego
voluntário”. Além do ônus de provar o desemprego, tem-se uma inversão do ônus
da prova, devendo o segurado comprovar também que o pedido de demissão não
significa pretender não retornar ao mercado de trabalho. Aqui o dito carrega
consigo o não dito, mas fica clara a presunção de má-fé – e má-fé não se
presume.
Diante dessa confusão
conceitual eu pergunto: Não tenho necessidade de cavar mais adiante? Uma única
certeza é suficiente àquele que procura um motivo para negar a prorrogação do
período de graça? É possível se extrair todas as consequências da rescisão por justa causa ou do pedido de
demissão? É possível que a rescisão por justa causa ou o pedido de demissão
oriente uma presunção em desfavor dos destinatários das normas previdenciárias?
Não vejo como resumir-presumir-reduzir a questão dessa forma, vale dizer: a ponto
de se alegar o “desemprego voluntário”.
Escrito
por Diego Henrique Schuster
___________________________________
Bah1: Nesse sentido
temos inclusive uma ação rescisória sendo julgada procedente: "O extrato
emitido pela Caixa Econômica Federal (CEF), dando conta do pagamento de
parcelas do seguro-desemprego em favor do autor, referentes ao período de
agosto a dezembro de 2010, constitui prova inconteste de sua situação de desemprego,
ensejando, assim, a prorrogação de 12 meses no período de graça, a teor do art.
15, §2º, da Lei n. 8.213/91." (TRF 3ª Região, TERCEIRA SEÇÃO, AR - AÇÃO
RESCISÓRIA - 10278 - 0004151-62.2015.4.03.0000, Rel. JUIZ CONVOCADO RODRIGO
ZACHARIAS, julgado em 22/03/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/04/2018)
Bah2: CROTELLA,
Mario Sergio. Por que fazemos o que fazemos? Aflições vitais sobe trabalho,
carreira e realização. 1. Ed. São Paulo: Planeta, 2016. p. 16-22.
Bah3: SAVARIS, José Antonio. Direitos fundamentais sociais e ativismo
judicial conservador: a indevida restrição de direitos de proteção social
regulamentados. In: MORAIS, Océlio de Jusús C. (Org.); MUSSI, Cristiane
Miziara; Silva, Roberta Soares; EÇA, Vitor Salino de Moura (Coorg). Constituição,
trabalho e previdência: desafios a superar na sociedade tecnológica. 1. ed. São
Paulao: LTr, 2020. p. 249.
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