APOSENTADORIA ESPECIAL: DA INCONSTITUCIONALIDADE DO INC. IV DO § 2º DO ART. 26 DA EC 103/2019


A aposentadoria especial é uma prestação previdenciária – diferente das demais aposentadorias – devida ao segurado que tiver trabalhado, durante 15, 20 ou 25 anos. O benefício tem como fundamento a presunção de um dano futuro (à saúde ou à integridade física).

Para os segurados que comprovarem 15, 20 ou 25 anos de tempo de serviço prestado até 13/11/2019 (não pode lhes faltar um único dia), o benefício será calculado com base na alíquota/coeficiente de 100% do salário-de-benefício, sem aplicação do fator previdenciário. Com a promulgação e entrada em vigor da EC 103/2019, o critério de cálculo passou a ser: 60% da média + 2% para cada ano além dos 20 anos para homens ou além dos 15 anos para mulheres e mineiros (art. 26). Por outras palavras, colocou-se a aposentadoria no mesmo nível dos demais benefícios.

Na mesma linha da exigência de uma idade mínima para a aposentadoria especial, o tom de surpresa, legítima surpresa, diz respeito ao fato de a aposentadoria especial trazer consigo uma presunção de incapacidade. Sobre tal presunção, Feijó Coimbra leciona:

A aposentadoria é a prestação previdenciária concedida pela ocorrência do risco social invalidez. Esta tanto poderá ser a que se apura efetiva, em uma perícia médica, como aquela que a lei presume, ante circunstâncias que o legislador teve como geradora de incapacidade laborativa. Assim, a concedida por velhice, considerada como fator incapacitante por si mesma; a que se dá ao trabalhador após certo tempo de serviço, ao qual se atribui o mesmo caráter de gerador de desgaste físico e, no caso, a especial, destinada ao trabalhador emprenhado em atividades que, pelo reconhecido teor de periculosidade, de penosidade ou de insalubridade, persuadiram o legislador a tê-las como fator incapacitante após certo lapso de tempo mais curto [...]. O que justifica presumir-se incapaz o trabalhador, atestadora dessa incapacidade, ou sem implemento da idade bastante, é o exercício da atividade reconhecida em lei como fator do desgaste físico atuante de forma prenunciada.

Ao se referir à aposentadoria especial, o Ministro Dias Toffoli, relator do voto condutor no tema 709, assim registou:

Na aposentadoria especial, a presunção de incapacidade é absoluta – tanto que, para obtenção do benefício, não se faz necessária a realização de perícia ou a demonstração efetiva de incapacidade laboral, bastando apenas e tão somente a comprovação do tempo de serviço e da exposição aos agentes danosos. Nessa hipótese, a aposentação se dá de forma precoce porque o legislador presume que, em virtude da nocividade das atividades desempenhadas, o trabalhador sofrerá um desgaste maior do que o normal de sua saúde. Dito em outras palavras, o tempo para aposentadoria é reduzido em relação às outras categorias porque, ante a natureza demasiado desgastante e/ou extenuante do serviço executado, entendeu-se por bem que o exercente de atividade especial deva laborar por menos tempo – seria essa uma forma de compensá-lo e, sobretudo, de protegê-lo.

Nesse caso, portanto, defende-se a aplicação do inc. II, § 3º, art. 26, da EC 103/2019:

Art. 26. [...]

§ 3º O valor do benefício de aposentadoria corresponderá a 100% (cem por cento) da média aritmética definida na forma prevista no caput e no § 1º:

I - no caso do inciso II do § 2º do art. 20;

II - no caso de aposentadoria por incapacidade permanente, quando decorrer de acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho.

Como explica Lenio Streck: “[...] o texto de lei (entendido na sua 'literalidade') permanecerá intacto. O que muda é o seu sentido, alterado por intermédio de interpretação que o torne adequado à constituição. Trabalha-se, nesse ponto, com a relação ‘texto-norma’.

No processo 0002554-62.2019.4.03.6323, que tramita no Juizado Especial Federal da 3ª Região, o Juiz Federal Mauro Spalding reconheceu a inconstitucionalidade do art. 26, §§ 2º e 5º, da EC 103, com fundamento na teoria da “antinomia de valoração”. Nessa decisão assim restou expresso:

A situação gerada pela EC 103/2019 no ordenamento previdenciário nacional pode ser diagnosticada, segundo a doutrina de Norberto Bobbio (Teoria do Ordenamento Jurídico. 2 ed. São Paulo: EDIPRO, 2014, pp. 92-93), como uma antinomia imprópria, especificamente a chamada ‘antinomia de valoração’, caracterizada, não pela incompatibilidade normativa, mas sim pela injustiça e, consequentemente, pela violação à isonomia. Não se verifica um tratamento isonômico o tratamento díspar dado pelo Estado através da Previdência Social, favorecendo financeiramente um segurado acometido de uma incapacidade parcial ou temporária em detrimento daquele acometido de uma limitação funcional total e definitiva.

Por uma questão de coerência, não se admitiu que o segurado acometido por uma incapacidade mais severa receba um salário de benefício 31% menor que o acometido por uma incapacidade mais branda. Na aposentadoria especial, por óbvio, não pode o Poder Judiciário admitir que o valor seja inferior ao da aposentadoria por tempo de contribuição, na contramão da tradição e do art. 201, § 1º, da CF/1988, que confere um tratamento diferenciado, exatamente, ao segurado efetivamente exposto a agentes nocivos.

Escrito por Diego Henrique Schuster

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Bah1: COIMBRA, Feijó. Direito previdenciário brasileiro. 7. ed. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1997. p. 155-156.

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