É POSSÍVEL AO JUIZ DISPENSAR A PROVA PERICIAL, PARA COMPROVAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL, E DEPOIS FUNDAMENTAR O NÃO RECONHECIMENTO NA SUFICIÊNCIA DA DOCUMENTAÇÃO IMPUGNADA?
Faz um tempo que eu
escrevi o artigo “Para que prova pericial se a prova juntada aos autos é
suficiente para negar o direito do segurado/beneficiário?” O título mescla
preocupação e uma certa dose de ironia.
O
juiz indefere a realização de prova pericial sob o argumento de que a
documentação juntada aos autos é “suficiente” e, sentenciando, deixa de
reconhecer a natureza especial da atividade com fundamento na ausência de
determinado dado técnico ou na inexistência de inconsistências na documentação
fornecida pela empresa. Oportuna a transição de um trecho de um acórdão de
relatoria do Desembargador Paulo Afonso Brum Vaz: “É inadmissível o Poder
Público acolher a documentação particular da empresa, fazendo presumir que a
mesma encontra-se em perfeitas condições, e, depois, acenar com falhas
técnicas, a fim de sonegar dos segurados benefícios previdenciários, não se
podendo penalizar o segurado pela negligência da Autarquia.”[1]
Os
enunciados parecem não deixar dúvidas, pois até mesmo na dúvida:
A
necessidade de prova pericial, ou não, de que a atividade do segurado é
exercida em condições tais que admitam a equiparação deve ser decidida no caso
concreto (Tema 198/TNU)
O
voto-condutor do acórdão ora embargado apresentou situações TAXATIVAS em seu
‘roteiro resumido’. Todas as demais devem ser solvidas na eventual perícia
judicial (IRDR TEMA 15/TRF4)
[...]
é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade
exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em
Regulamento. (Súmula 198 ex-TFR)
Quando impossível a
realização de perícia técnica no local de trabalho do segurado, admite-se a
produção desta prova em empresa similar, a fim de aferir a exposição aos
agentes nocivos e comprovar a especialidade do labor (Súmula 106/TRF4)
A
dialética que se encontra nessas decisões, contudo, não se vê aplicada na
práxis jurídica. Infelizmente, alguns juízes “ainda acreditam na possibilidade
de tomarem para si a condução da prova no processo, como se a produção da prova
pudesse ser gerida a partir da sua consciência”.[2]
Neste
nível, é emblemática a tese fixada no IRDR 17/TRF4: “Não é possível dispensar a
produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando
houver prova oral colhida em justificação realizada no processo administrativo
e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o
deferimento do benefício previdenciário.”
Note-se
que o mesmo deveria valer para a prova pericial, isto é, não é possível se
dispensar a prova pericial quando o conjunto probatório não permitir o reconhecimento
do período. A documentação fornecida pela empresa, produzida fora do processo
(unilateral), não pode ser considerada suficiente para se se declarar, de forma
definitiva, a inexistência do direito. O indeferimento da prova pericial, -
quando demonstrado um "conflito" entre as informações contidas nos
autos, enfim, quando justificada a sua necessidade/utilidade -, constitui
verdadeira restrição ao direito de prova e, até mesmo, ao próprio acesso à
justiça.
Se
nem a falta de um formulário para requerimento da aposentadoria especial nem a
impossibilidade de realização de perícia técnica no local de trabalho do
segurado impedem a produção dessa prova em empresa similar, a existência de um
formulário sem inconsistências no seu preenchimento não poderá justificar como
inútil a prova pericial. A prova pericial poderá suprir um laudo técnico
incorreto, incompleto ou inadequado, contrariando, não rara as vezes, a
insistência de algumas empresas em disponibilizarem as
melhores informações sobre o meio ambiente do trabalho, por motivos
tributários, trabalhistas, etc.
Mas
voltando ao IRDR 17/TRF4, a manifestação do Des. Osni Cardoso Filho bem se
ajusta ao que estamos dizendo aqui:
Aí me parece que se
passa para a questão da inafastabilidade de apreciação dos casos no Poder
Judiciário num ponto de vista constitucional. E me atenho aqui somente a quatro
dispositivos do Código de Processo Civil que, a meu ver, também lançam a
direção no sentido de que é impossível, uma vez requerida a produção de prova
testemunhal, ao juiz denegar a sua produção por conta de que vai decidir em
razão da justificação administrativa já produzida. Inicio no art. 370 do Código
de Processo Civil: Caberá ao Juiz... (lê)... julgamento do mérito. Claro, o
juiz tem esse poder de dirigir o processo, mas não a ponto de sacrificar o que
diz o artigo anterior: As partes têm o direito... (lê)... convicção do juiz.
Vale dizer, então, que o exercício do poder de dirigir o processo não chega, a
meu ver, ao ponto de obstar o direito à prova, que é garantido a ambas as
partes na relação processual. E no que diz respeito, mais adiante, à produção
específica da prova testemunhal, vou ao art. 442 do Código de Processo Civil: A
prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso. E ao
art. 443: O Juiz indeferirá... (lê)... documento ou confissão da parte. Inciso
II e último: ...que só por documento ou exame pericial puderem ser provados.
Não existe um inciso III que assegure ao juiz o poder de indeferir a inquirição
de testemunhas em razão da existência de uma justificação administrativa
precedente.
Com
efeito, é possível se identificar a premissa ou a passagem lógica que se revela
necessária para se saber quando a prova, de natureza testemunhal e pericial,
não poderá ser dispensada. Sempre lembrando que as únicas provas discutidas
plenamente em contraditório são a pericial e testemunhal, por se contar com a
participação das partes, mediante a formulação de quesitos/perguntas. Nessa
perspectiva, também não será possível ao julgador desprezar a prova pericial em
detrimento dos formulários impugnados pela parte.[3]
Assim,
o Tribunal Regional Federal da 4ª Região sinalizou positivamente para os
princípios da inafastabilidade do controle jurisdicional, da amplitude
probatória, do contraditório – corolários do devido processo legal.
As informações contidas no formulário PPP não gozam de presunção absoluta. Sendo
assim, o indeferimento da prova pericial indispensável para o reconhecimento da
aposentadoria especial – por existir uma expectativa baseada em eventos e
situações já experimentadas –, configura cercamento de defesa.
Dentro de um espaço em que demonstrado algum indício (e.g.: recebimento de adicional de insalubridade, indicação da necessidade de medidas de proteção do trabalhador etc.) ou consenso acerca de
quais atividades e produtos (substâncias) presentes no processo industrial (aqui entram aas regras de experiência): é possível se afirmar que a prova é
inútil, antecipando-se a valoração do seu resultando? A prova pericial não é mais
um meio de prova? Na medida em que o juiz não pode – ou não quer – postergar
sua decisão na espera pela prova pericial, há que se ter, no mínimo, maior
tolerância no que diz respeito à garantia da coisa julgada, a fim de não “enterrar
vivo” o direito do segurado/beneficiário.
Diferentemente da via administrativa, em que é possível a apresentação
de um novo documento após o indeferimento do pedido (RPS, art. 347, §2º), a
decisão proferida na esfera judicial faz coisa julgada, tornando imutável e indiscutível
a questão em processos futuros.
Escrito
por Diego Henrique Schuster
___________________________________________
Bah1: TRF4, AC 5015163-29.2018.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC,
Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 13/12/2019.
Bah2: STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de Hermenêutica: quarenta temas
fundamentais da Teoria do Direito à luz da Crítica Hermenêutica do Direito.
Belo Horizonte: Letramento, 2017. p. 76.
Bah3: AgInt no AREsp 576.733/RN, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/10/2018, DJe 07/11/2018.
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