JUSTIÇA SOCIAL E POBREZA



A diretriz axiológica para a criação de políticas públicas e interpretação/aplicação das normas de proteção social, no interior de um Estado Democrático de Direito, é a justiça social. Falar de justiça não é coisa fácil. No centro do debate está a sua relação com a pobreza. Não parece óbvio, nem mesmo hodiernamente. A pobreza (a indigência) já foi encarada como uma forma de punição divina. Na visão do sistema, ao pobre cabia arcar com as consequências de sua condição, quer seja devido ao pecado ou por preguiça. Ele não fazia jus sequer à caridade.[1]
Demorou muito tempo para se desenvolver a ideia de que os pobres deveriam sair da pobreza. E isso está intimamente ligado com a própria evolução do Estado e da Constituição. É fundamental que se perceba a passagem do modelo de Estado Liberal para o Estado Social e deste para o Estado Democrático de Direito, ou seja, partindo de um momento não interventivo para um momento interventivo do Estado até chegar a “um ponto de quase ruptura”, representado pelo Estado Democrático de Direito, “que tem como objetivo a igualdade e, assim, não lhe basta limitação ou a promoção da atuação estatal, mas referenda a pretensão à transformação do status quo”.[2]
A despeito de eventuais exageros no e do Estado Democrático de Direito, o que restou superado – teoricamente – é a seguinte concepção: “O Estado liberal tratava o governo como um mal necessário, devendo-se, por isso, restringir-se ao mínimo necessário. As pessoas seriam livres; o sucesso profissional e o bem-estar familiar dependeriam da dedicação e do mérito individuais.”[3] O motivo é simples: as desigualdades sociais. Não existe sociedade justa sem igualdade social.
As pessoas não estão em condições de igualdade de oportunidades. Nessa direção, Amartya Sen, em 2010: “A expansão de oportunidades sociais serviu para facilitar o desenvolvimento econômico com alto nível de emprego, criando também circunstâncias favoráveis para a redução das taxas de mortalidade e para o aumento da expectativa de vida. O contraste é nítido com outros países de crescimento elevado – como o Brasil – que apresentaram um crescimento do PNB per capita quase comparável, mas também têm uma longa história de grave desigualdade social, desemprego e descaso com o serviço público de saúde.”[4]
Devemos, por isso, considerar as oportunidades sociais reais que as pessoas têm, sob pena de reproduzir ou aumentar as desigualdades sociais. Não adianta, o Estado não pode aceitar ou ignorar a pobreza. Armando de Oliveira Assim tem razão: “o perigo, é a ameaça a que fica exposta a coletividade diante da possibilidade de qualquer de seus membros, por esta ou aquela ocorrência, ficar privado dos meios essenciais à vida, transformando-se, destarte, num nódulo de infecção no organismo social, que cumpre extirpar”.[5]
Ao Estado é muito mais valioso combater a pobreza e reduzir as desigualdades sociais, pois, oferecer condições materiais de vida digna e inclusa significa, ao mesmo tempo, diminuir a violência, a injustiça, a exploração, a fome, as doenças, a ignorância etc. É possível, na outra ponta, se diminuir as prestações assistenciais ou o "assistencialismo", com a promoção de serviços de saúde, educação escolar, emprego com remuneração adequada, redução dos riscos no meio ambiente do trabalho, políticas de inclusão da pessoa idosa, etc.
O crescimento econômico não é tudo, digo, o país não precisa esperar até a economia melhorar ou ser muito rico para investir em educação básica e serviços de saúde, por exemplo: “O processo conduzido pelo custeio público é uma receita para a rápida realização de uma qualidade de vida melhor, e isso tem grande importância para as políticas, mas permanece um excelente argumento para passar-se daí a realizações mais amplas que incluem o crescimento econômico e a elevação das características clássicas da qualidade de vida.”[6]
Ainda hoje se ouve que benefícios sociais têm como finalidade manter o pobre na pobreza ou sustentar "vagabundos" (pré-juízos inautênticos). Sabemos que não é por aí e generalizações são sempre perigosas. Uma criança mal alimentada em sala aula ou pedindo troco na esquina, um trabalhador desempregado ou preso, enfim, situações em que a dignidade, como qualitativo do gênero humano, está acima e justifica uma ação do Estado (da sociedade), até mesmo, quando o pai se submete a ser transformado em alvo dessa crítica, como no caso do auxílio-reclusão - em que o benefício é para os seus dependentes . Estamos falando, também, de solidariedade.
Não estamos falando de “luxo”. Quem defende a justiça social o faz em razão, exatamente, do seu compromisso com a igualdade social, a redução da pobreza e a proteção de vulneráveis/minorias, e não apesar disso. É necessário o debate, na busca de aperfeiçoamento. O que se quer são ajustes, e não a extinção do Estado Social, como muito bem pontua Fabio Zambitte.

Escrito por Diego Henrique Schuster
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Bah1: IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 15. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 7.
Bah2: STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 86-96.
Bah3: O autor assevera: "Esta rede de segurança estatal tem evoluído, à medida que o próprio conceito de Estado muda. Já se foi o tempo da prevalência de conceitos liberais do Estado, dotado de intervenção mínima em áreas fundamentais, como organização judiciária e segurança." IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 15. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 3.
Bah4: SEN, Amartya. Desenvol: p. vimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 67.
Bah5: ASSIS, Armando de. Em busca de uma concepção moderna de risco social. revista de Direito Social n. 14. São Paulo: Ed. Notadez.
Bah6: SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 71-72.

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