A CONVERSÃO NA DER E O FATOR DE CONVERSÃO APÓS A REFORMA DA PREVIDÊNCIA: LIMITES E (IM)POSSIBILIDADES




Não obstante a jurisprudência estar a favor do segurado, a orientação do STJ, no sentido de que a lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço, ignora o princípio tempus regit actum e ameaça a garantia do direito adquirido.
Sejamos justos, havia boa vontade por parte do STJ no sentido de dar uma solução definitiva a questão sobre a (im)possibilidade de conversão de tempo serviço especial em comum anterior à Lei 6.887/1980. No entanto, concordar com tal fundamentação é admitir que se a proibição de conversão de tempo de serviço especial em comum tivesse triunfado[1] não seria mais possível a conversão de qualquer período ao segurado que hoje preencher os requisitos necessários para a obtenção de uma aposentadoria por tempo de contribuição.
Dito por outras palavras, admitir tal entendimento significa que o segurado não pode contar, para o futuro, com a conversão do tempo especial em comum de períodos de efetivo trabalho insalubre. Não é?
Apesar de a EC 103/2019 trazer expressa vedação, o seu art. 25, § 2º, assegura a conversão do tempo de serviço especial em comum ao segurado que comprovar tempo de efetivo exercício de atividade sujeita a condições especial até 12/11/2019.
Agora, a discussão envolvendo a conversão do tempo de serviço especial em comum e o fator de 1,4 para o segurado homem antes da edição do Dec. 357/1991. A meu ver, trata-se de uma divergência meramente verbal ou falsa. Explico.
 Os juristas convergem a respeito de ser a conversão do tempo um critério meramente matemático invocado em razão do princípio da isonomia, conforme repetitivo nº 1.251.363/MG. Mais do que isso, o que se busca é estabelecer uma relação de proporcionalidade. Pois bem. Estabelecer uma relação de proporcionalidade com o tempo necessário para a concessão de uma aposentadoria por tempo de contribuição ou necessário para o segurado atingir um benefício integral, com alíquota/coeficiente máximo?
Concorda-se que, antes de 1991, de ambos os sexos eram exigidos 30 anos de serviço. Contudo, para o segurado homem, a aposentadoria integral, com alíquotas de 95% ou 100%, estava condicionada a 35 anos de serviço, basta apenas uma retrospectiva legislativa.[2] Nessa perspectiva, portanto, defende-se uma aplicação do fator de 1,4, independentemente da tabela prevista no art. 60, §2º, do Decreto 83.080/79 não completar essa coluna, tampouco do art. 70 do Dec. 3.048/99 determinar a sua aplicação a qualquer período.
Note-se que o próprio Decreto nº 83.080 de 24/01/1979, no seu art. 41, previa:
O valor da renda mensal do benefício de prestação continuada, ou o da sua parcela básica, mencionada na letra a do item II do artigo 40, é calculado mediante a aplicação dos coeficientes seguintes:
IV - aposentadoria por tempo de serviço:
a) 80% (oitenta por cento) ou 95% (noventa e cinco por cento) do salário-de-benefício, conforme, respectivamente, o sexo masculino ou feminino do segurado que comprova 30 (trinta) anos de serviço;
b) para o segurado do sexo masculino que continua em atividade após 30 (trinta) anos de serviço, 80% (oitenta por cento) do salário-de-benefício, mais 3% (três por cento) para cada novo ano completo de atividade abrangida pela previdência social urbana, até o máximo de 95% (noventa e cinco por cento), aos 35 (trinta e cinco) anos de serviço;
Não há como se olhar apenas para os 30 anos de serviço e concordar que a diferença na aplicação dos coeficientes atende ao princípio da isonomia. Por outras palavras, o que justifica uma aposentadoria integral para as mulheres com 30 anos de serviço, e não para o homem? Não seria, exatamente, a possibilidade de o homem continuar em atividade e, com 35 anos, alcançar o coeficiente máximo? Tempo mínimo para se aposentar ou atingir o valor máximo? Eis o busílis!
A Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, antes mesmo do Dec. 357, de 07 de dezembro de 1991, passou a exigir como critério de acesso ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço 30 anos de serviço, se mulher, e 35, se homem, adotando como critério de cálculo:
Art. 53. A aposentadoria por tempo de serviço, observado o disposto na Seção III deste Capítulo, especialmente no art. 33, consistirá numa renda mensal de:
I - para a mulher: 70% (setenta por cento) do salário-de-benefício aos 25 (vinte e cinco) anos de serviço, mais 6% (seis por cento) deste, para cada novo ano completo de atividade, até o máximo de 100% (cem por cento) do salário-de-benefício aos 30 (trinta) anos de serviço;


II - para o homem: 70% (setenta por cento) do salário-de-benefício aos 30 (trinta) anos de serviço, mais 6% (seis por cento) deste, para cada novo ano completo de atividade, até o máximo de 100% (cem por cento) do salário-de-benefício aos 35 (trinta e cinco) anos de serviço.
    A EC 20/98 acabou com a aposentadoria proporcional, conforme art. 9º, § 1º:
O segurado de que trata este artigo, desde que atendido o disposto no inciso I do ‘caput’, e observado o disposto no art. 4º desta Emenda, pode aposentar-se com valores proporcionais ao tempo de contribuição, quando atendidas as seguintes condições:   (Revogado pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
I - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:   (Revogado pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
a) trinta anos, se homem, e vinte e cinco anos, se mulher; e   (Revogado pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
b) um período adicional de contribuição equivalente a quarenta por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior;   (Revogado pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
II - o valor da aposentadoria proporcional será equivalente a setenta por cento do valor da aposentadoria a que se refere o ‘caput’, acrescido de cinco por cento por ano de contribuição que supere a soma a que se refere o inciso anterior, até o limite de cem por cento.   (Revogado pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
Não obstante, para aumento do tempo de contribuição e concessão da aposentadoria proporcional, mira-se na aposentadoria integral, com a aplicação dos fatores 1,2 e 1,4. É de se ver que isso é suficiente para sustentar um “erro material” na tabela prevista no art. 60, §2º, do Decreto 83.080/79 ou atribuir sentido ao dispositivo. Oportuna a doutrina de Carlos Maximiliano: “Desde que a interpretação pelos processos tradicionais conduz a injustiça flagrante, incoerências do legislador, contradição consigo mesmo, impossibilidades ou absurdos, deve-se presumir que foram usadas expressões impróprias, inapropriadas, e buscar um sentido equitativo, lógico e acorde com o sentir geral e o bem presente e futuro da comunidade”.[3]
 Com a reforma, passou-se a exigir 40 anos de contribuição para um homem atingir 100% do salário-de-benefício. Correto? Neste nível, cumpre perguntar: Foram mantidas as três fases do método de quantificação dos benefícios? A EC 103/2019 faz referência a um coeficiente de 100%? Qual o tempo máximo de contribuição a ser considerado para fins de critério de cálculo?
Como já se viu, o cálculo do benefício na regra transitória da aposentadoria e nas duas primeiras regras de transição da aposentadoria por tempo de contribuição (pontos e idade mínima) corresponderá a 60% da média aritmética (dos 100% dos salários) + 2% cada ano além dos 20 anos de contribuição.
Vou adiantar o resultado que pretendia alcançar, qual seja, a aplicação de um fator de 1,6 para homem, estabelecendo uma relação de proporcionalidade entre o tempo de efetiva exposição a agentes nocivos e aquilo que se poderia considerar como um benefício integral (100%) à luz da EC 103/2019 (40/25 = 1,6). Tudo o que antecipa o presente parágrafo deveria servir como justificativa para legitimar a tese, porém: (a) as regras de transição mantêm a referência ao tempo de contribuição de 30 anos, se mulher, e 35, se homem, como necessário; e (b) é possível, observado o teto, o tempo de contribuição ser superior a 40 anos e, assim, ultrapassar a alíquota de 100% (assim como o fator previdenciário pode ser positivo).
Já no que diz respeito à aposentadoria por idade, o critério de acesso é 15 anos de contribuição H/M. Aos homens inscritos após a publicação da Emenda serão exigidos 20 anos. Nesse caso, vale lembrar que antes o valor da aposentadoria por idade consistia em 70% do salário-de-benefício mais 1% para cada grupo de 12 contribuições, limitado a 100% do salário-de-benefício. A jurisprudência possui entendimento consolidado no sentido de não ser possível o aumento do coeficiente de cálculo mediante a inclusão do tempo resultante da conversão de períodos especiais.
Com efeito, a aplicação de um fator de 1,4 para o homem, para efeitos de critério de cálculo, já será uma revolução! Parecia ser simples, digo, numa comparação com aquilo que restou, o tempo hoje exigido para uma aposentadoria integral (100%) é de 35 anos de contribuição, mulher, e 40 anos, homem, logo, na DER se poderia cingir tudo aos critérios matemáticos definidores do fator de conversão. Não é – e nem pode ser – simples assim.
Eu precisava tentar justificar o que me levou, em algum momento, a pensar num fator de 1,6 para o segurado homem. Resta saber se os argumentos geram algum consenso ou, no mínimo, alguma dúvida. O que se pode afirmar é que, passando o critério de acesso a ser de 15 anos de contribuição para uma aposentadoria aos 65 anos (H) e 62 (M), e sendo ao homem permitida a conversão do tempo de serviço especial em comum (para aumento de tempo e cálculo do benefício), pelo menos até 12/11/2019, o fator de conversão deixa de ter relação com o tempo mínimo exigido para a concessão do benefício previdenciário.

Escrito por Diego Henrique Schuster
______________________________________
Bah1: Um dos maiores absurdos da história do direito previdenciário foi o entendimento de que o art. 70 do RPS (redação original) pudesse tornar ilícita a conversão do tempo de atividade especial em comum depois de 28.05.1998. A partir da redação frouxa do artigo em foco, vedou-se a possibilidade de conversão, sob a alegação de revogação tácita do § 5º do art. 57 da Lei Benefícios, demonstrando a irracionalidade do sistema positivista, capaz de aplicar às cegas normas inconstitucionais e até ditatoriais. O que prova que no Brasil um Decreto pode valer mais do que a Constituição Federal, já que, à época, a Carta Magna, no seu art. 201, §1º, já previa um tratamento diferenciado aos segurados que exerceram atividades sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física (referencial reafirmado pela Lei de Benefícios).
Bah2: Arts. 3º, inc. II, e 10, da Lei 5.890/73; arts. 46, inc. II, do Decreto 72.771/73; art. 4º da Lei 6.210/75; art. 10 da lei 5.890/73; e arts. 26, inc. II, e 41 da CLPS/76; art. 37, inc. II, e 40, inc. IV, alíneas a e b, do Decreto 83.080/79; arts. 21, inc. II, e 30 da CLPS/84.
Bah3: MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 13. ed. p. 166.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE A DECISÃO PROFERIDA EM SEDE DE ED: TEMA 1.102/STF

REVISÃO DA VIDA TODA: VAMOS INTERPRETAR/COMPREENDER PARA DECIDIR?

A EQUIVOCADA APLICAÇÃO DO TEMA 629/STJ: ESTAMOS INVERTENDO AS COISAS