O SEGURADO ESPECIAL NO REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR: “O QUE UM NÃO QUER DOIS NÃO FAZEM”
Existe consenso de que
não é segurado especial o membro de grupo familiar que possui outra fonte de
rendimento. Na verdade, a própria Lei de benefício diz isso no §9º do art. 11. Por
óbvio, a qualidade de segurado especial de quem postula o benefício não pode
ser descaracterizada pela circunstância de (um) outro membro do grupo familiar
exercer atividade de outra natureza ou obter fonte diversa de recursos.
A tipificação do segurado
especial se encontra no art. 11, VII, da Lei 8.213/91, sendo que o trabalho
pode ser exercido de duas maneiras, vale dizer: individualmente ou em regime de
economia familiar. O conceito de regime de economia familiar vem estampado no
art. 11, §1º, da Lei 8.213/91 que, assim, expressa:
Entende-se como regime de
economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao
desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de
mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.
A essa altura já se faz
possível perguntar: só é possível exercer atividade rural em regime individual
aquele que não possui família? Não se precisa buscar a resposta correta no primeiro
enfrentamento da questão ou, ainda, no terceiro parágrafo de um artigo,
logo, vamos supor que o trabalho rural pode ser feito por apenas uma pessoa
(sozinha), mesmo que inserida num grupo familiar, sob pena disso constituir um
obstáculo para o seu direito e/ou à constituição de uma família com alguém da
cidade (se me entendem a ironia).
O trabalho rural, sem
compromisso com o regime, precisa ser indispensável à própria subsistência?
Posso dizer que no regime individual não apresenta importância a circunstância
de o trabalho rural não ser indispensável à subsistência, tampouco o fato de
existir outra fonte de renda? Para José Antônio Savaris[1]: “O que importa – e
é apenas o que importa – é se estamos diante de um trabalhador que efetivamente
exerce a atividade de produção rural com desiderato de comercialização, ainda
que nem sempre esta seja possível”. E continua, admitindo a possibilidade de
algum membro da família possuir outra fonte de renda:
Se, de outra forma, o produto do labor rural
significar parte de renda familiar, o que se dá na hipótese de um dos membros
da família possuir outra fonte de rendimento, tanto melhor para a família e
para o trabalhador rural que, só por esta razão, não será penalizado com a
descaracterização de sua condição de segurado especial. (grifo nosso).
Essa resposta nos permite
cruzar os pontos, ou seja, se é possível ao segurado especial exercer sua
atividade rural em regime individual, no interior de uma família que não retira
apenas da terra o seu sustento, sem precisar comprovar a indispensabilidade do
trabalho, então não há mais razão para traçar qualquer distinção entre regime
individual e de economia familiar, importando apenas a prova do efetivo
trabalho rural, individual ou em grupo. Talvez seja essa a resposta correta,
considerando, ainda, que o benefício de aposentadoria por idade rural não visa
apenas proteger o agricultor, mas implementa um programa de combate ao êxodo
rural, com vistas à segurança alimentar e à redução da pobreza. Isso não deve
reforçar o caráter assistencial do benefício – um prejuízo inautêntico (em
Gadamer).
Fica fácil presumir que,
para quem trabalha sozinho, o trabalho rural é indispensável. O mesmo não se
pode dizer de quem trabalha na roça, mas o cônjuge possui outra fonte de rendimentos
(leia-se: decorrente de atividade urbana). Não é apenas a indeterminação de
significado de alguns termos contidos na norma que enseja problemas de
interpretação, mas cada uma das diferentes situações – que altera o significado
da norma, conforme sustenta Klaus Günther[2] –, logo, não é possível se
antecipar o fim da história a partir de uma única resposta para todas elas.
Seja
como for, os problemas que
prevaleceram e que temos hoje de enfrentar estão relacionados ao
conceito de regime de economia familiar, que exige para a sua configuração a indispensabilidade
do trabalho rural, não apenas à
própria subsistência, mas ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar,
em condições de mútua dependência e colaboração. Na verdade, isso passou
a ser um problema quando se começou a confundir esses conceitos com os de
dependência econômica e, até mesmo, miserabilidade, característicos dos
benefícios de pensão por morte e assistencial.
Neste nível, o tempo de
serviço rural efetivamente exercido durante o período em que outro membro da
família percebia R$3.000,00 é considerado dispensável. O dito sempre carrega
não dito, algo como: “nesse período o segurado trabalhou porque quis”. A
aposentadoria por idade rural, negada por conta do não reconhecimento desse
tempo, também é dispensável para o segurado? Tem-se, aqui, um quadro de alta complexidade e perigo para muitos
segurados que tiveram a (in)felicidade de encontrar alguém mais “rico”. E se
ele recebesse apenas 1 salário mínimo? Vale o critério de ¼ da renda per capita
do grupo familiar? Posso deduzir despesas?
É
como disse Eros Grau, algumas questões reclamam “o manejo de noções, e não
somente de conceitos”. Não é razoável exigir “subsistência” no sentido daquilo
que seja essencial para se manter/sustentar, como a alimentação. À luz da
própria “colaboração” que nos fala a norma, devemos valorizar o trabalho do trabalhador
rural e colocá-lo numa perspectiva de complementação da renda familiar, com
proposição para a estabilidade e bem estar da família, e não como um capricho.
Aplica-se
a lógica muito parecida com aquela do ditado: “o que um não quer dois não fazem”.
O trabalhador rural não pode ficar de fora dessa relação, como se o seu serviço
fosse irrelevante ou vexatório.
Escrito
por Diego Henrique Schuster
Bah1: PEDILEF n.º
2004.81.10.01.1325-5, Rel. José Antonio Savaris, DJ
12 fev. 2010.
Bah2:
GÜNTHER, Klaus. Uma concepção normativa de coerência para uma teoria discursiva
de da argumentação jurídica. Cadernos de
Filosofia Alemã, n. 6. p. 97.
2000.
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