Nota Técnica nº 03/2024 - CEDP: o processo é o caminho ou um atalho para a decisão judicial?
7. CONSEQUÊNCIAS DA ADESÃO AO
PROCEDIMENTO
• Renúncia à Prova Oral em
Audiência: Ao aderir ao procedimento, a parte renuncia à possibilidade de
produzir prova oral ou depoimento pessoal em audiência, salvo casos
excepcionais. O advogado deve informar a parte autora sobre essa renúncia e as
implicações para o caso.
• Alegação de nulidade: Após a
adesão, as partes não poderão alegar nulidade da sentença pela ausência de
audiência de conciliação ou instrução, exceto em situações de insuficiência de
provas reconhecidas pelo juiz.
Devo
dizer, mesmo que contra mim, que essas notas (quase) sempre me deixam com um pé
atrás. É necessário, porém, justificar o meu ponto de vista logo no início
deste texto, já que não sou contra mudanças, vale dizer, quando capazes de
contribuir para a efetividade do processo e a realização do Direito. O que me
preocupa são medidas que visam a flexibilização de garantias processuais.
É
necessário adiantar o seguinte: as únicas provas discutidas plenamente em
contraditório são a pericial e testemunhal, pois neles se conta com a
participação das partes, mediante a formulação de quesitos/perguntas. No caso
da instrução concentrada, o seu conteúdo é construído sem pleno contraditório,
sumariando-se o procedimento.
Veja-se
que a adesão ao procedimento deverá ocorrer antes mesmo da citação do INSS,
nessa ordem: Adesão ao Procedimento → Apresentação de Provas → Citação do INSS
→ Proposta de Acordo e Manifestação da Parte Autora → Réplica e Sentença. É
preciso deixar isto bem claro para entender sem erros o que vem a seguir.
Assim
que li o trecho supra colacionado lembrei da tese fixada no IRDR 17/TRF4: “Não
é possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação
de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no
processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento
do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário.” Então, não posso
concordar com a renúncia ao direito de produzir prova em juízo, com pleno
contraditório.
É
indiscutível que prova testemunhal em juízo poderá influenciar utilmente no
julgamento, com ampliação do diálogo judicial. O que vai acontecer se a
sentença julgar improcedente o pedido, com fundamento em questões que poderiam
ter sido supridas mediante novos esclarecimentos? Já em segunda instância, no
caso de dúvida, o juiz irá converter o feito em diligência, nos termos dos
arts. 10, 370, 938, § 3, do CPC?
O
Poder Judiciário vem lançando mão da chamada “técnica de aceleração”, na qual
determina ao INSS escutar as testemunhas. Noutro dia, realizada a "Justificativa
Administrativa" sem a presença do advogado, o INSS fez constar em todos os
depoimentos: “informam que somente por volta dos doze a treze anos é que tinham
força física suficiente que lhes permitia auxiliar efetivamente nas mais
diversas tarefas das lidas campesinas” (sic.). Isso, com todo respeito, não
parece ser algo dito pela testemunha. A própria linguagem utilizada para
apanhar os depoimentos interfere no processo final de decisão.
Com
isso não quero insinuar nenhum tido de ilegalidade ou coisa do gênero, mas, e
isso sim, a quebra da imparcialidade - o que vale para ambas as partes. Por sorte:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. RECONHECIMENTO. PROVA
TESTEMUNHAL. IRDR 17/TRF4. NULIDADE. 1. Conforme o IRDR 17 do TRF4, Não é
possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação
de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no
processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento
do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário. 2. Anulada a
sentença e determinada a reabertura da instrução processual, com a realização
de prova oral relativamente ao alegado trabalho rural. (TRF4, AC
5003035-46.2020.4.04.7108, 5ª Turma, Relator para Acórdão ALEXANDRE GONÇALVES
LIPPEL, julgado em 11/02/2025)
A
sensação é de que ninguém quer realizar a oitiva das testemunhas, mas ela se
mostra indispensável para corroborar o início de prova material e qualquer
falha nela é transformada num obstáculo para o direito.
No
embalo da simplificação, no sentido de sumarização do procedimento, já temos as
"perícias simplificadas", em que o perito não avalia, in loco, a real
situação e condições de labor do segurado, mas, com base nos dados do processo,
no modelo de veículo, etc. analisa a condição de penosidade! No fundo, uma
tentativa de dar uma resposta antes da pergunta e, assim, dar andamento aos
processos. O processo cada vez mais distante do direito material e do mundo
prático! Daqui a pouco teremos perícias pelo metaverso! A questão que sempre se
coloca: o processo é o caminho ou um atalho para a decisão judicial?
Cumpre
observar que a audiência é um dos raros momentos em que o juiz tem
algum tipo de contato com o autor da ação. Sobre tal oportunidade, o Des.
Osni Cardoso Filho compartilha sua experiência de mais de 23 anos em
Florianópolis:
Mas o que não importa ao juiz é se
distanciar da testemunha para ver se realmente havia ou não havia o direito. De
modo que não me recordo – e aí não acredito que seja mérito meu, é apenas uma
razão de ser, assim fui durante toda minha carreira – de uma única oportunidade
em que tenha julgado um processo sem a produção da prova requerida pela parte
só pelo fato de haver uma justificação administrativa nos autos. E hoje o que
percebo aqui, não tanto na Justiça Federal, mais na Justiça Estadual, talvez esteja
equivocado pelo pouco tempo que tenho de jurisdição, é que em razão talvez do
excesso de trabalho do juiz, pelo fato do exercício da competência delegada
também, o que acontece é que muitos juízes decidem com base nas provas
produzidas exclusivamente na justificação administrativa. E aí, a meu ver, o
cuidado tem que ser redobrado, porque a produção da prova não se passa –
sabemos disso, independentemente da idoneidade que possamos pressupor que
exista no INSS – da forma e da maneira como um juiz produz uma prova em
audiência. De modo que estou de pleno acordo com o voto deduzido aqui pelo
Relator. Apenas não sei se essa questão da elaboração da tese, da redação fica
para depois ou ficará aprovada agora.
A
prova documental do tempo de serviço rural, por exemplo, tem como
característica a espontaneidade. O mesmo vale para a prova testemunhal, ou seja,
pela sua espontaneidade e descomprometido que oferece, será sempre uma aliada
na compreensão dos fatos, um instrumento de apoio de que vai se valer o
magistrado para a decisão da causa. A audiência permite a criação de vínculos com o mundo
prático.
Seja
como for, não existe um inciso III no art. 443 do CPC, vale dizer, conferindo
ao juiz o poder de indeferir a inquirição de testemunhas em razão de adesão a
um procedimento que não foi produzido democraticamente. Pelo contrário. A prova
testemunhal é sempre admitida (CPC, art. 442).
Eis o busílis. Isso retroalimenta o positivismo normativo-decisionista, em que a lei não tem força de lei e há força de lei sem lei!
E pensar que os Juizados Especiais Federais surgiram sob o pretexto da simplificação e de uma justiça rápida. Devemos cuidar com essa retórica, mormente quando o preço seja a supressão de provas! Para Rosemiro Pereira Leal, exercer jurisdição “sem procedimento é abolir a prova legal de existência do due process, porque, para existir Processo, é preciso produzir procedimento (especo-tempo-formalizado), segundo a lei asseguradora da ampla defesa, do contraditório, da isonomia, do direito ao advogado e gratuidade dos serviços judiciários na defesa de direitos fundamentais.”
Apesar
de muitos juristas defenderem a ideia de um “processo previdenciário” - dentre os quais eu me incluo -, o
discurso ainda não adquiriu o efeito esperado na práxis jurídica. Se por um
lado a jurisdição continua presa aos postulados de direito civil, por outro,
ela rebaixa o direito previdenciário a uma categoria secundária, no qual sequer
as garantias processuais são observadas. Paradoxalmente, portanto, o direito
previdenciário vem sofrendo com flexibilização da técnica, com o atropelo do
direito à prova, em nome, justamente, dos princípios da celeridade, da
instrumentalidade e da economia processual. Em tal quadro, o contraditório,
pouco a pouco, vem perdendo qualquer ligação com a essência do fenômeno
processual.
Post scriptum:
o presente artigo visa contribuir para o debate, mediante o intercâmbio de
ideias, a fim de se evitar a chamada "visão de túnel". Toda e qualquer crítica só
adquire seu sentido com a consideração de seus contrários.
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