NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO A ORDEM DOS FATORES PODE DEFINIR O DIREITO DO SEGURADO – PARTE 2

 

Em sentido contrário ao axioma matemático de que a ordem dos fatores de uma soma ou multiplicação não altera o valor do respectivo produto, no direito previdenciário, a lógica é inversa. A disposição organizada e ordenada, no espaço e tempo, dos requisitos ensejadores do benefício, da inscrição e recolhimento das contribuições, e assim por diante, podem definir, ou não, o direito do segurado, ou, na sua falta, dos seus dependentes, a um benefício previdenciário.

Assim, por exemplo, é impossível o recolhimento de contribuições previdenciárias post mortem. O art. 17, § 7º, da Lei 8.213/1991 é taxativo: “não será admitida a inscrição post mortem de segurado contribuinte individual e de segurado facultativo”. Isso significa que, se o contribuinte individual não tiver recolhido em dia as contribuições relativas ao período imediatamente anterior ao óbito, seus dependentes não terão direito ao benefício da pensão por morte, exceto, é claro: a) quando o óbito houver ocorrido durante o chamado período de graça, previsto no art. 15 da Lei n.º 8.213/91; b) se preenchidos os requisitos para a obtenção de qualquer aposentadoria, segundo a legislação em vigor à época em que foram atendidos, nos termos dos parágrafos 1º e 2º do art. 102 desta última Lei e da Súmula 416 do STJ. Aqui uma observação importante: uma coisa é a falta de recolhimento, outra, muito distinta, é a sua complementação. Está última é autorizada por lei.

Para simbolizar (ainda mais) o que quero dizer, tomemos como exemplo a necessidade de uma contribuição em dia para o INSS, com o objetivo de convalidação do tempo de serviço/contribuição prestado no RPPS. Ou seja, para que ocorra a contagem recíproca entre RPPS e RGPS, o requerente necessita estar vinculado ao regime no qual pretende a concessão do benefício de aposentadoria. É o que dispõe o art. 99 da Lei 8.213/1991: “O benefício resultante de contagem de tempo de serviço na forma desta Seção será concedido e pago pelo sistema a que o interessado estiver vinculado ao requerê-lo, e calculado na forma da respectiva legislação.”[1] 

Se o sujeito já é aposentado no RPPS e quer levar algum tempo/período (como servidor) não utilizado naquele regime para se aposentar – também – no RGPS, ele vai precisar contribuir como segurado obrigatório (e.g.: contribuinte individual), já que não é possível ao servidor (aposentado ou não) contribuir como facultativo. A IN 128/2022, no seu art. 107, § 5º, reproduz o § 5º do art. 201 da Constituição Federal.

O aproveitamento de tempo também exige que a pessoa esteja desvinculada do regime de origem. Então, volto a coisas já ditas para resumir e simplificar: o sujeito precisa sair do município, onde é servidor, para poder aproveitar esse tempo no RGPS e, antes de fazer o requerimento da aposentadoria, precisa verter ao menos uma contribuição em dia para o INSS.

Outra coisa muito louca: para ter direito à conversão do tempo de serviço especial em comum, por exemplo, é necessário o segurado ter algum período em comum! Por outras palavras, para que haja conversão precisa haver algum período de tempo com referencial diferente. Wladimir Novaes Martinez exemplifica: “Não é possível conversão para quem tem apenas tempo especial (só determinante de aposentadoria aos 15, 20 ou 25 anos)”.[2] Penso que essa orientação não resiste a uma abordagem hermenêutica. 

A forma como são reguladas essas  e outras  situações cria inúmeros problemas para os cidadãos.

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Bah1: A Instrução Normativa 128/22 prevê que para contagem recíproca é necessário que o interessado esteja filiado ao RGPS (portanto, seja segurado) e desvinculado do regime de origem (art. 193, III).

Bah2: MARTINES, Wladimir Novaes. Aposentadoria especial. 4. ed. São Paulo: LTR, 2006. p. 100.


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