REAFIRMAÇÃO DE DER (TEMA 995/STJ): E SE A AÇÃO FOR JULGADA TOTALMENTE IMPROCEDENTE?

 

A jurisprudência está muito longe de fornecer todas as respostas. Tomamos como exemplo a situação de um segurado que teve seu pedido de aposentadoria indeferido na via administrativa e, na justiça, a ação é julgada totalmente improcedente. Suponhamos que o benefício postulado dependia do reconhecimento, como tempo de serviço especial, de um determinado período. 

Daí se tem por vezes concluído que não é possível a reafirmação de DER:

Se o pedido foi julgado totalmente improcedente, é inviável determinar apenas a averbação do tempo de contribuição posterior à DER para conceder o benefício. Nessa situação, não se justifica a supressão da via administrativa. O Poder Judiciário estaria única e exclusivamente fazendo as vezes da administração previdenciária.

Mais uma vez, a afirmação pode surpreender porque rompe com o discurso acordado no Tema 995/STJ. Mesmo com o preenchimento dos requisitos ensejadores do benefício no curso do processo, a conclusão é de que não é possível a reafirmação. Esta tese, contudo, merece discussão e, até mesmo, refutação.

O novo CPC prevê a impossibilidade de o julgador (vi) deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. Isso significa tanto a obrigatoriedade de serem levados a sério os argumentos das partes, quando baseados em direito jurisprudencial, quanto a existência de um ônus argumentativo maior ao julgador para deixar de seguir os precedentes e a jurisprudência.

A jurisprudência, por sua vez, para ser aplicada como critério para solução de casos jurídicos, demanda necessariamente, uma correspondência fática entre os casos que a originaram e os que serão por ela solucionados. A norma surge diante da problematização da ratio decidendi do precedente no caso concreto.

Dum ponto de vista jurídico, o Tema 995/STJ diz respeito à tese do fato superveniente. Trata-se de uma questão exclusivamente judicial. O novo Código de Processo Civil, no seu art. 493, não só reproduziu a literalidade do art. 462 do Código de Processo Civil de 1973, mas acrescentou o art. 933, que prevê, expressamente, a possibilidade de o fato superveniente à decisão recorrida ser considerado no julgamento do mérito, devendo o julgador (relator do tribunal ou turma recursal) dar às partes oportunidade de se manifestar a respeito da nova questão.

Em matéria previdenciária, o modo mais específico de implementação da tese se dá através da chamada Reafirmação da DER, procedimento adotado pelo INSS na via administrativa, conforme art. 690 da Instrução Normativa 77/2015, o que, na prática, possibilita a consideração de contribuições vertidas no curso da ação e do tempo de serviço especial que perpassa a DER; enfim, questões que influenciam no reconhecimento do benefício postulado.

A questão que (sempre) se coloca é: seria razoável admitir a necessidade de o segurado formalizar um novo requerimento na via administrativa? E mais: é razoável premiar o INSS com eventual subtração dos valores devidos desde o implemento dos requisitos ensejadores do benefício previdenciário?

Nesse sentido, fica fácil aceitar o superveniente preenchimento dos requisitos ensejadores de um benefício postulado. Afinal, a reafirmação guarda pertinência com a causa de pedir. De modo geral, o pedido da parte é congruente ao direito material (ao verbo que a traduz) e à vontade manifestada.

Em tese, portanto, a reafirmação de DER não tem como condição a procedência de algum pedido postulado em juízo. Trata-se de um critério não previsto pela legislação ou no precedente de observância obrigatória (Tema 995/STJ). Poder-se-ia defender, também, que a percepção das parcelas devidas desde o preenchimento dos requisitos ensejadores do benefício significa prestigiar a correta aplicação do Direito ao caso concreto e, também, justificar a movimentação do aparato judiciário.

No julgamento do Tema 995, o Superior Tribunal de Justiça fundamentou sua decisão no princípio da primazia do acertamento:

Nessa medida, o pedido previdenciário ajuizado pode ser fungido, pois há um núcleo comum no ordenamento jurídico-previdenciário voltado à concessão do benefício previdenciário, reparadora do risco social vivido pelo autor da ação. Daí a importância para o caso concreto da teoria do acertamento, orientada pelo princípio da primazia do acertamento da relação jurídica de proteção social, tão bem traduzida pelo eminente e culto Professor Doutor José Antônio Savaris, in verbis:

A conclusão a que se chega a partir da primazia do acertamento é a de que o direito à proteção social, particularmente nas ações concernentes aos direitos prestacionais de conteúdo patrimonial, deve ser concedido na exata expressão a que a pessoa faz jus e com efeitos financeiros retroativos ao preciso momento em que se deu o nascimento do direito - observado o direito ao benefício mais vantajoso, que pode estar vinculado a momento posterior.

(...)

No diagrama da primazia do acertamento, o reconhecimento do fato superveniente prescinde da norma extraída do art. 493 do CPC/2015 (CPC/1973, art. 462), pois o acertamento determina que a prestação jurisdicional componha a lide de proteção social como ela se apresenta no momento da sua entrega. (José Antônio Savaris in direito processual previdenciário, editora Alteridade, 7ª edição revista e atualizada, páginas 121/131)

A teoria do acertamento conduz a jurisdição de proteção social, permite a investigação do direito social pretendido em sua real extensão, para a efetiva tutela do direito fundamental previdenciário a que faz jus o jurisdicionado.

Uma vez percorrida a via administrativa, atendidos os requisitos do Tema 350/STF, há que se entender que está tudo “sub judice”. Tanto é assim que a Corte Especial reiterou que a reafirmação da DER poderá ocorrer “ainda que não haja prévio pedido expresso na petição inicial”. Aqui, não é o indivíduo abstrato que constrói a tese, mas o concreto, tomado em sua situação de segurado.

Escrito por Diego Henrique Schuster


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