A ATIVIDADE ESPECIAL DEVE SER DEMONSTRADA NOS PRÓPRIOS AUTOS DA AÇÃO PREVIDENCIÁRIA
O discurso de que todo e qualquer inconformismo em
relação ao formulário padrão deve ser impugnado na esfera trabalhista ou
criminal fragilizada sobremodo a autonomia do Direito (Processual)
Previdenciário. Isso representa
uma ameaça a toda uma visão social que merece o Direito Previdenciário.
É verdade, o Direito Previdenciário se relaciona
automaticamente com outros ramos do direito. Mesmo assim, questões como, por
exemplo, a condição de união estável, o dano moral, a natureza tributária da
contribuição previdenciária, para citar apenas estes institutos, são tratados
no âmbito da ação previdenciária, leia-se perante a Justiça Federal.
O mesmo acontece com a caracterização e a
comprovação da natureza especial de determinada atividade, que seguem distintos
critérios informados pelo Direito Previdenciário, com suas normas e princípios
jurídicos próprios, sem, contudo, desconsiderar certos atos normativos da
legislação trabalhista, como é o caso da Norma Regulamentar (NR) n. 15,
expedida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
A competência da Justiça Federal para julgar e
processar as causas previdenciárias resta clarividente no art. 109, da Carta
Maior:
[...]. Aos juízes federais compete processar e
julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica
ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés,
assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e
as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
[...]
§ 3º - Serão processadas e julgadas na justiça
estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que
forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca
não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei
poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela
justiça estadual. (Grifo nosso).
Em relação à questão que aqui nos preocupa, a da
exigência de impugnação do formulário PPP na esfera trabalhista, cumpre
observar que tal orientação simplesmente inviabilizaria a demonstração do
exercício de atividade especial, constituindo uma verdadeira restrição ao
direto da prova, o que é algo extremamente gravoso. Segundo José Antônio
Savaris, a prova, por ser um direito fundamental, não admite restrição que não
seja fundamentada em outro valor ou princípio constitucional.[1]
O que merece ser esclarecido é que o pedido de
perícia judicial não tem o condão de transmudar o benefício previdenciário em
indenização trabalhista. Isso contraria a lógica previdenciária, porquanto ao
INSS cabe fiscalizar o preenchimento dos formulários, podendo, inclusive,
aplicar multa caso as informações estejam em desacordo com o laudo técnico.
Trata-se de uma questão de primazia da realidade sobre a forma.
A jurisprudência e doutrina confirmam que a
comprovação do tempo de serviço especial deve ser feita por meio de formulário-padrão
embasado em laudo técnico ou perícia técnica. Sobre a necessidade de prova
pericial, o Min. Gurgel de Faria deixou claro no julgamento do Tema Repetitivo
1083/STJ: “Tal interpretação denota a adoção de raciocínio que, na realidade,
beneficia o segurado, visto que não impõe a este a obrigatoriedade de
providenciar a correção no formulário, mas permite que a atividade especial
seja demonstrada nos próprios autos da ação previdenciária”.
Entre os enunciados amplamente aplicados pela
jurisprudência previdenciária está a Súmula 198 do ex-TFR: “[...] é devida a
aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade
exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em
Regulamento.” É necessário conferir ao sistema jurídico integridade
(compatibilidade com os diversos enunciados) e coerência (julgar casos iguais
mediante semelhante raciocínio), conforme estabelece o art. 926 do CPC.
A prova pericial é condição de possibilidade:
“[...] é certo que as únicas provas discutidas em contraditório são a prova
pericial e testemunhal. O contraditório não se estabelece no que diz respeito
ao formulário fornecido pela empresa (PPP), um documento criado fora dos autos,
isto é, sem a participação do segurado, razão pela qual é possível reconhecer
que houve o cerceamento do direito de defesa do Segurado.”[2]
O reconhecimento da penosidade depende
exclusivamente da prova pericial. E é nesse sentido a disposição da Súmula 198
do extinto TFR, que, fazendo referência expressa à penosidade, permite a
caracterização da atividade especial em virtude de fatores não previstos em
regulamento, desde que constatada por perícia judicial.[3]
Além de fornecer mais capacidade cognitiva ao julgador, a prova pericial é importante para o direito, para analisar as informações científicas e técnicas, permitindo a ponderação mais atenta sobre a credibilidade das informações estampadas no formulário, em razão do conflito de interesses em jogo (existem razões tributárias e trabalhistas razoáveis para isso). Se concordamos com o discurso de que todo e qualquer inconformismo em relação ao formulário padrão deve ser impugnado na esfera trabalhista, a credibilidade do formulário PPP não poderá ser verificada nos autos do processo previdenciário, pois, a presunção – a priori – de que o documento é suficiente (para negar) vem antecipar a valoração do resultado de qualquer prova em sentido contrário.
Em sendo a Justiça do Trabalho a via adequada para a impugnação do formulário PPP, os segurados poderão fazer o caminho inverso, ajuizando tantas ações trabalhistas quanto forem as empresas, com todas as implicações que isso tem na esfera previdenciária (demora, decadência, prescrição, efeitos financeiros, etc.), o implica um verdadeiro retrocesso na jurisprudência do tribunal.
Todo mundo sabe que isso é um problema.
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Bah1: SAVARIS, José Antônio.
Algumas reflexões sobre a Prova Material Previdenciária. Direito Previdenciário
em Debate. Curitiba: Juruá, 2007. p. 55-61.
Bah2: AgInt no AREsp 576.733/RN,
Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/10/2018,
DJe 07/11/2018.
Bah3: TRF4, AC
5005944-27.2016.4.04.7100, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado
aos autos em 04/05/2022.
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