A INSUFICIÊNCIA DA AUTODECLARAÇÃO ENQUANTO MERA REPRODUÇÃO DA (TRISTE) REALIDADE DO TRABALHADOR RURAL INFORMAL
"Era feito aquela gente honesta, boa e
comovida
Que caminha para a morte pensando em vencer na vida
Era feito aquela gente honesta, boa e comovida
Que tem no fim da tarde a sensação
Da missão cumprida" (Belchior)
A lei, mesmo sem
querer, acaba favorecendo as pessoas que possuem as melhores condições
(financeiras, informacionais, regionais, etc.) de pautarem sua conduta de
acordo com o que se quer ver, mormente dentro de procedimentos administrativos.
Essa falta de jeito da lei com a vida real!
Um exemplo disso é
autodeclaração, exigida para a comprovação da condição de segurado especial
(trabalhador rural). Melhor sorte assiste ao trabalhador que conseguir
preencher mais campos do formulário, manter o seu talão de produtor em dia e
assim por diante. E aqui ganha destaque a ideia de tarifação da prova,
estabelecida no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/1991, bem assim a diferença entre
ato vinculado e discricionariedade administrativa. Esse é um ponto
absolutamente fundamental: não há nenhuma novidade em afirmar que, no momento
da decisão administrativa, o espaço, a margem, para indeferimento do pedido
diminui de acordo com a prova e dados oferecidos. O controle, até mesmo
jurisdicional, sobre o ato vinculado é maior.
O Regime Geral de
Previdência, de caráter contributivo, é de filiação obrigatória, mas um enorme
contingente de trabalhadores acaba ficando de fora dele. São os trabalhadores
informais, principalmente no meio rural. Pensemos, agora, nos boias-frias. Os
procedimentos adotados pela administração acabam reproduzindo a triste
realidade desses trabalhadores, enquanto insuficientes para verificar as reais
e precárias condições de labor rural. Isso acentuas as desigualdades sociais,
inclusive, por região. Em resumo:
Os altos níveis de informalidade geram baixa renda, instabilidade no
trabalho, falta de proteção e cerceamento de direitos. Aumentam, com isso, as
demandas judiciais que procuram assegurar garantias mínimas a esses
trabalhadores — principalmente às mulheres, em geral mais vulneráveis.[1]
A Constituição
Federal, comprometida com as promessas da modernidade (art. 3º), prevê e
determina uma verdadeira transformação social. Ao Estado, aos órgãos
competentes (aqui destacamos a importância dos sindicatos), cabe promover ações
para a retirada desses trabalhadores da clandestinidade, levando informação e
fiscalizando/combatendo a exploração do trabalho rural informal. Por fim, os
procedimentos adotados pela administração não podem negar o mundo prático
(faticidade) e, pior ainda, os seus problemas. Tem-se um verdadeiro sequestro
da realidade.
Como quase todo formulário, a autodeclaração cria "pontos cegos", mostrando-se, obviamente, insuficiente diante da realidade dos trabalhadores rurais
informais. Assim sendo, tal formulário não pode ser transformado num obstáculo
para o reconhecimento do direito. É preciso, pois, avançar no que diz respeito
à matéria de provas, determinando-se, inclusive, a inspeção "in
loco", para se verificar a situação narrada.
É preciso lembrar
que, na justiça, todo e qualquer documento tem sido compreendido em uma
perspectiva ampla, “levando-se em conta a necessidade da proteção social e dos
inaceitáveis efeitos reais que emanam de uma decisão denegatória de benefício
previdenciário para a pessoa que dele necessita”.[2]
A questão é como
entregar ao segurado trabalhador rural o que lhe é devido por lei, não como
esmola ou caridade, mas pelo efetivo exercício de atividade rural. Precisamos mostrar interesse pela vida desses trabalhadores.
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Bah1: STJ estende benefício previdenciário a trabalhador informal do
meio rural. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 12 mar. 2019. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/.../stj-estende-beneficio...>.
Acesso em: 07 abr. 2023.
Bah2: 3ª TR/PR, RI 5006812-44.2012.404.7003, Rel. p/ Acórdão José
Antonio Savaris, j. 05/06/2013.
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