TEMA 188/TNU: O QUE PODE CONTRIBUIR PARA UMA REFLEXÃO E PROBLEMATIZAÇÃO DOS MOTIVOS DETERMINANTES DA DECISÃO?



Sobre o Representativo da Controvérsia - Tema 188, em que a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) fixou a seguinte tese:
após 03/12/1998, para o segurado contribuinte individual, não é possível o reconhecimento de atividade especial em virtude da falta de utilização de equipamento de proteção individual (EPI) eficaz, salvo nas hipóteses de: (a) exposição ao agente físico ruído acima dos limites legais; (b) exposição a agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos, constantes do Grupo 1 da lista da LINACH; ou (c) demonstração com fundamento técnico de inexistência, no caso concreto, de EPI apto a elidir a nocividade da exposição ao agente agressivo a que se submeteu o segurado.
É importante se estabelecer pontos positivos e negativos. A sapiência está na tentativa de se maximizar os resultados que poderão contribuir para uma reflexão e problematização dos motivos determinantes da decisão.
A decisão foi feliz ao excetuar algumas situações que dispensam a prova da inexistência de tecnologia capaz de elidir a exposição ao agente agressivo. O uso de capacete não evita o acidente (o risco à integridade física), por exemplo, mas pode atenuar o dano, logo, não é possível se considerar a não utilização do capacete, por si só, como um obstáculo para o reconhecimento do direito, ou seja, independentemente do EPI fazer desaparecer o risco.
Segundo Júlio Cesar de Sá da Rocha: “Os agentes agressivos químicos entram em contato com os trabalhadores por inalação, entrando pelas vias respiratórias; por ingestão, absorvidos pelo trato intestinal; ou pela exposição dermal contato com a pele. A inalação é o problema de maior gravidade na questão ocupacional, na medida em que a respiração é um processo contínuo, embora a exposição pela pele constitua o maior volume das doenças, e. g., como as dermatites ocupacionais” .[1]
Como luvas e cremes (para as mãos) vão elidir ou neutralizar agentes nocivos (e.g.; graxas e óleos minerais) quando o segurado mantém contato cutâneo com outras partes do corpo (braços, antebraços, tórax, etc.) ou é inalado pelas vias respiratórias? Essa é a difícil realidade de uma oficina de beira de estrada, por exemplo. É inevitável, as regras de experiência sempre nos interpelam, aproximando o direito do mundo prático (CPC, art. 375).
O item “c” confirma que esse rol é meramente exemplificativo, havendo espaço para, em caso de divergência ou dúvida, ser possível ao julgador lançar mão do princípio da prevenção (em sentido lato sensu), o que vai ao encontro da “ratio decidendi” (elemento vinculante e transcendente) do precedente ARE 664.335/SC. O agente periculosidade é um exemplo, entre outros agentes nocivos contemplados pelo IRDR 15/TRF4. No que tange ao ônus de apresentar fundamento técnico razoável que aponte a dúvida científica sobre a comprovação empírica da eficácia do EPI, em tese, é do segurado/contribuinte individual.
Quanto à regra geral (“após 03/12/1998, para o segurado contribuinte individual, não é possível o reconhecimento de atividade especial em virtude da falta de utilização de equipamento de proteção individual (EPI) eficaz”), o que se percebe aqui é o tal “determinismo retrospectivo”, ou seja, começa-se pensando que ao segurado cabia a utilização do EPI, passa-se a achar lógico que a não utilização era deliberada – como fica claro na questão submetida a julgamento (“Saber se o segurado contribuinte individual pode obter o reconhecimento de atividade especial para fins previdenciários após 11/12/1998, mesmo na hipótese em que a exposição a agentes nocivos à sua saúde ou à integridade física decorreu da não utilização deliberada de EPI eficaz.”)[2] e acaba-se acreditando que o segurado não utilizou EPI pensando na aposentadoria especial.
É louvável a preocupação do relator, no sentido de que: “[...] ainda que para determinado agente nocivo existisse EPI eficaz, haveria estímulo ao segurado contribuinte individual para a não utilização do respectivo EPI, com o escopo de obter redução no seu tempo de aposentadoria. Ademais, deve-se dar prevalência à proteção da saúde do trabalhador, cuja responsabilidade, na espécie, recai sobre o próprio contribuinte individual”.
A questão da redução dos riscos no meio ambiente do trabalho é também um problema cultural, mas daí presumir – contra o destinatário das normas de proteção previdenciária – que, após 03/12/1998, o segurado pautou sua conduta de acordo com os requisitos ensejadores do benefício da aposentadoria especial é, no mínimo, complicado. O dito sempre carrega consigo o não dito. Não se pode impor ao passado as “representações idéias” da lei.
No particular, devemos considerar casos em que o segurado não tinha autonomia para adquirir e utilizar EPI’s aptos a elidir a nocividade da exposição ao agente nocivo. A falta de informação, recursos e, sobretudo, fiscalização reforça uma condição de ignorância em relação à própria pessoa, tomada em confronto com o homem médio, em virtude de suas desiguais e até mesmo desumanas condições de vida e cultura. Assim, a ignorância ou, até mesmo, a falsa sensação de segurança, tem como consequência a confiança em ações arriscadas, isto é, as pessoas acabam arriscando bem mais, quando não deveriam arriscar nada.
Do ponto de vista da igualdade e, até mesmo, do acesso à justiça, a preocupação é, também, com a coexistência de duas justiças diferentes e opostas, já que no Tribunal Regional Federal da 4ª Região o entendimento é outro.

Escrito por Diego Henrique Schuster
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Bah1: ROCHA, Julio Cesar de Sá da. Direito ambiental do trabalho: mudanças de paradigmas na tutela jurídica à saúde do trabalho. São Paulo: Atlas, 2013. p. 107-108.
Bah2: No dicionário, a palavra “deliberada” sugere algo que se faz de propósito, com intenção.

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