LAUDOS POR ANALOGIA E PROVA EMPRESTADA EM MATÉRIA PREVIDENCIÁRIA: É POSSÍVEL SE EMPRESTAR O CONTRADITÓRIO?



O TRF-4 criou um Banco de Laudos Técnicos Periciais das Condições Ambientais do Trabalho com o objetivo de facilitar a propositura, a movimentação e o julgamento dos processos previdenciários em que seja requerido o reconhecimento de atividade especial. Pergunta-se: é possível se ordenar, hierarquicamente, o uso de laudos por analogia?
Vale a pena observar que o laudo aplicado por analogia tem como finalidade evitar uma perícia técnica inútil, mormente quando impossível a realização de perícia técnica no local de trabalho do segurado, a fim de aferir a exposição a agentes nocivos, em razão do mesmo ramo de empresa, setor, atividades, condições e local de trabalho. A finalidade, portanto, é comprovar a especialidade do labor.
            Não se pretende, de modo algum, fazer uma lista, mas ajudar a salientar algumas questões que requerem atenção.
            Exclui-se, de pronto, os laudos da mesma empresa (favoráveis ao segurado). Sobre estes é suficiente reter que o melhor será aquele contemporâneo ao período que se pretende ver reconhecido, por colocar em dúvida, até mesmo, a fidedignidade do formulário para requerimento da aposentadoria especial. Agora, admitem-se laudos extemporâneos, emitidos em data anterior ou posterior ao período de exercício da atividade do segurado, desde que demonstrada a inexistência de alteração no ambiente de trabalho ou em sua organização antes ou ao longo do tempo. Essa regra vale para laudos extraídos de reclamatórias trabalhistas, para citar apenas este, conforme art. 261, § 3º, da IN 77/2015 – e aqui se poderia citar também o art. 17, § 4º, da Resolução CJF n. 239/2013, bem assim o Memorando-Circular n. 50/ DIRAT/DIRBEN/PFE-INSS/CGPG/PGF.
            A despeito de pouco se trabalhar, em matéria previdenciária, com a ideia de prova emprestada (CPC, art. 369), mister identificar quais os requisitos para o traslado de uma prova, como explica Darci Guimarães Ribeiro:  
a) que a parte contra quem a prova é produzida deverá ter participado do contraditório na construção da prova;
b) que haja uma identidade entre os fatos do processo anterior com os fatos a serem provados;
c) que seja impossível ou difícil a reprodução da prova no processo em que se pretenda demonstrar a veracidade de uma alegação.[1]
             Neste nível, apenas poderá valer como prova emprestada contra o INSS aquela em que a Autarquia participou do contraditório na sua constituição.
As únicas provas discutidas plenamente em contraditório são a pericial e testemunhal, por se contar com a participação das partes, mediante a formulação de quesitos/perguntas. O contraditório não se estabelece no que diz respeito ao formulário fornecido pela empresa ou um laudo (LTCAT ou PPRA) de empresa congênere, documentos criados fora dos autos. Segundo Darci Guimarães Ribeiro[2]:
Jamais uma prova documental será construída dentro do processo com base no contraditório, isto ocorre, por óbvio, com as provas causais, vale dizer, aquelas que são feitas no curso do processo, como ocorre, v. g, com a prova testemunhal, e muitas vezes com a pericial, etc. Nestas o contraditório se dá exclusivamente no plano da existência, no plano da criação da prova que é feito em juízo.
            Deve ter ficado claro, portanto, que o melhor laudo é aquele resultante de uma perícia técnica (in loco ou em estabelecimento similar), nos autos de uma ação previdenciária, ou seja, de uma prova produzida em juízo.
Ainda sobre o conceito de prova emprestada, cumpre observar que ao INSS cabe fiscalizar o preenchimento dos formulários, podendo, inclusive, realizar a inspeção no ambiente de trabalho do segurado[3] e aplicar multa caso as informações estejam em desacordo com o laudo técnico, ou seja, é por isso que ele (o conceito) não se encaixa na descrição de laudo por analogia. Ainda, é por isso que não se vê nenhum prejuízo para o contraditório, eis que as informações ali contidas não são, em tese, desconhecidas da Administração. Na via administrativa, o INSS aceita laudos técnicos-periciais realizados na mesma empresa, emitidos por determinação da Justiça do Trabalho, em ações trabalhistas, individuais ou coletivas, acordos ou dissídios coletivos, ainda que o segurado não seja o reclamante, desde que relativas ao mesmo setor, atividades, condições e local de trabalho, conforme já mencionado art. 261, inc. I, da IN 77/2015.
Mais do que tentar legitimar um resultado que o autor se propõe a alcançar, evitando, num primeiro momento, uma perícia inútil, o laudo aplicado por analogia serve para, também, demonstrar a falta de correspondência entre as informações contidas nos autos e, no mínimo, justificar a necessidade de uma prova pericial. 

Escrito por Diego Henrique Schuster
__________________________________
Bah1: Cf: TROCKER, Nicolò. Processo civile e constituzione: problemi di diritto tedesco e italiano. Milano: Giuffrè, 1974, cap. VI, p. 112.
Bah2: RIBEIRO, Darci Guimarães. Questões relevantes da prova no novo Código de Processo Civil. In: BOECKEL, Fabrício Dani de; ROSA, Karin Regina Rick; SCARPARO, Eduardo. Estudos sobre o novo Código de Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015, p. 135.
Bah3: Vale transcrever o artigo 4ª da Res. INSS 485, de 08.07.2015: “Art. 4º A inspeção no ambiente de trabalho terá por finalidade: I - reconhecer tecnicamente o nexo entre o trabalho e o agravo; II - verificar se existe, por parte da empresa, cumprimento quanto às normas de segurança e higiene do trabalho; III - verificar a adoção e o uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador; IV - constatar se a doença ou lesão invocada como causa do benefício junto ao INSS é pré-existente ou não ao ingresso no Regime Geral de Previdência Social, excetuando-se os casos de progressão ou agravamento; V - verificar se as informações contidas no PPP estão em concordância com o LTCAT utilizado como base para sua fundamentação, com fins à aposentadoria especial; VI - confirmar se as informações contidas LTCAT estão em concordância com o ambiente de trabalho inspecionado, com fins à aposentadoria especial; e VII - avaliar a compatibilidade da capacidade laborativa do reabilitando frente ao posto de trabalho de origem e frente ao posto de trabalho proposto pelo empregador”.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE A DECISÃO PROFERIDA EM SEDE DE ED: TEMA 1.102/STF

REVISÃO DA VIDA TODA: VAMOS INTERPRETAR/COMPREENDER PARA DECIDIR?

A EQUIVOCADA APLICAÇÃO DO TEMA 629/STJ: ESTAMOS INVERTENDO AS COISAS